segunda-feira, outubro 15, 2007

Uma homenagem a Luciano Pavarotti


Quando Luciano Pavarotti iniciou sua carreira, em 1961, a ópera italiana passava por uma entre-safra. Deu um lado, os grandes nomes do pós-2ª Guerra já começavam a sentir o peso do tempo e se preparavam para encerrar a carreira. Do outro, cantores como Mario del Monaco, Franco Corelli e Joan Sutherland se consolidavam como os grandes nomes da cena lírica, na segunda metade do século XX. Mas o mundo estava mudando. Um mundo curtido de duas guerras, vivendo a iminência de uma terceira.

Todos lembram de Pavarotti como o tenor que ajudou a popularizar a ópera. Existe certa verdade nisso, mas não totalmente. Vamos lembrar que o mundo na década de 1960, curtido de duas guerras e vivendo a iminência de uma terceira, sofria transformações radicais: direitos civis, liberdade sexual, revolução tecnológica e científica. Era um mundo, como ainda é hoje, metódico, frio, planificado. Só que naquela época, diferentemente de hoje, as pessoas pensavam coletivamente, já os grandes anseios da época requeriam ações coletivas. No fim , não sobrava tempo para uma experiência pessoal e subjetiva, como é ouvir música clássica.

Pavarotti tinha um grande talento para o canto. Era uma voz natural, bruta, que só se encontra nos bons cantores italianos. Parece uma marca registrada da península. Quem conhece o Pavarotti dos Três Tenores, ou da série Pavarotti and Friends, conhece mais um vulto do que propriamente um cantor. Um ícone que vivia muito mais do prestígio que construíra, do que de sua arte principal.

Mas não é surpresa que Pavarotti só tenha alcançado o grande público no fim de sua carreira. O que começou nos anos 60, naquele mundo curtido de duas guerras, sem tempo para uma experiência subjetiva, foi o aperfeiçoamento de uma nova linguagem que levasse o público de volta a uma experiência pessoal com a música clássica. A década de 60 foi onde se consolidou a mídia de massa para o público de música clássica. Gravações em disco, transmissões radiofônicas de alta qualidade, turnês mundiais. Antes que se cunhasse o termo “globalização”, a música clássica já vivia um trânsito constante de artistas apresentando-se ao redor do mundo.

Muitos podem creditar (o início d)a popularização da música clássica a Pavarotti. Por desconhecimento, talvez. Junto dele estão nomes como Plácido Domingo, José Carreras, Montserrat Caballé, Mirella Freni, e muitos, muitos outros que não podem ser esquecidos. Essa geração foi tão fecunda que livrou a música clássica de um hiato muito maior do que o que ela passa hoje.

O que faz a morte de Pavarotti ser tão lamentada? Morreu um grande artista, que também era um ícone pop, financiador de causas nobres. Mas sua morte é início do fim de uma geração gloriosa, que semeou muito pouco. Bons cantores surgiram nas décadas de 80 e 90, mas a maioria deles teve ascensão e queda meteórica. A carreira de Pavarotti durou até 2001, aos trancos. Foi quando diagnosticaram o câncer que o vitimou. Bem como a voz, já bem deteriorada, a doença foi decisiva para encerrar uma carreira vitoriosa, mas que só vinha recebendo críticas. Mas nada que abalasse seu prestigio e respeitabilidade.

A morte de Pavarotti traz consigo uma sensação de abandono. O que será da ópera hoje, quando poucos são os (bons) cantores e grande é a necessidade deles? Muitos dizem que a ópera, e a música clássica em geral, morreram há muito tempo. Eu ainda confio na marcha do tempo, embora a esperança seja pouca. Mas espero que numa próxima leva, o tempo nos traga artistas da qual nos orgulhamos.

Mille grazie per tutti, Pava. Restate in pace.

segunda-feira, setembro 24, 2007

NY Times: Música simples forma fé genuína?

Por Bernard Holland

Uma cerimônia na Catedral de São Patrício, no dia 11 de setembro, ofereceu-nos um pouco de música patriótica e alguns trechos dos clássicos. Porém, todo o resto me fez pensar se eu deveria ouvir como crítico ou como cristão. Muito da música litúrgica dos nossos dias pede para que você escolha uma dessas posições.

Com todo o seu bater de palmas, letras inspiratórias e caráter despretensioso, essa música é muito diferente da tradição iniciada com o cantochão, passando por Josquin e Palestrina, depois por Mozart e Beethoven, e finalmente chegando até Messiaen e Britten. Sem a igreja para inspirar – para não dizer financiar – grandes compositores, faltaria uma enorme lacuna na história da música.

Beleza musical, elegância nas harmonias, construção sonora e instigante originalidade eram os requisitos que chamavam atenção do hesitante fiel. A música, como a arquitetura e a pintura, representavam o céu na terra, algo que era distante e intangível; uma propaganda do paraíso, mesmo que longe do alcance das mãos.

Os hinos neo-Eduardianos e as elaborações culturais etno-populares usados no serviço em São Patrício, por outro lado, levam-nos a inferir que a Missa em Si Menor, de Bach, e A Criação, de Haydn, são peças irreligiosas; uma sedução que captura os sentidos e leva o coração para longe da verdadeira comunhão com Deus. Música simples gera fé genuína? Teria Belzebu usado a arte musical aos seus propósitos?

Música sofisticada que não alcança diretamente seus ouvintes – processo que independe da resposta dos ouvintes – carrega em si as sementes de sua eventual irrelevância. Uma razão para o ostracismo da música clássica hoje está nas várias gerações de compositores que exigiram que o público os compreendessem, ao invés do contrário.

Porém, música escrita somente visando o conforto da platéia é igualmente irrelevante. Apertar botões étnicos como forma de acesso fácil à atenção do fiel é pura propaganda. A fácil familiaridade age como o pé do vendedor ambulante, que impede que você feche a porta. É a brecha para começar a vender um produto.

O cristão pode argumentar corretamente que a música é só mais uma ferramenta evangelística, que tanto acompanha a conversão do arrependido, quanto inspira a renovação da fé. Música interessante distrai o fiel, assim é a linha geral de raciocínio. Música interessante não nos instrui a sermos bons ou não sermos maus. Ela serve para ser admirada somente. Juntar grande música e fé genuína acontece, mas com dificuldade.

O Requiem de Verdi, com sua descrição visceral do temor humano diante do Juízo Final, chega perto de satisfazer tanto o crítico quanto o cristão. Minha escolha para a música que tanto mexe com os sentidos, quanto dá ao ouvinte o apropriado temor de Deus, é o gospel cantado nas igrejas negras. Os sons são maravilhosos e todos contribuem para a sua formação.

A igreja tem razão em temer grande música, daí o esforço em retomar nossa atenção através de adaptações rasteiras dos hinários, das missas em latim e do Livro de Oração Comum, da Igreja Anglicana. Eu sou um pequeno exemplo disso, que passei as manhãs de domingo da minha infância na Igreja Episcopal, deixando que a imaginação fértil de Thomas Cranmer, e seu lânguido responsório litúrgico, fizessem parte das minhas orações, sem nenhum pensamento direto a Deus.

Uma razão para que música menos importante seja composta para igrejas é que os compositores têm outras coisas em mente. A primeira delas é sobreviver. As igrejas eram os centros da vida, e também centros da riqueza e do poder. Compositores disputavam o mecenato das paróquias, numa época em que concertos públicos mal existiam. Hoje, o dinheiro que circula para os compositores vem dos círculos seculares.

O declínio da música clássica e o declínio da Igreja Católica têm coisas em comum. As platéias de concertos diminuem e envelhecem como a audiência das igrejas, que é cada vez menor. E os movimentos evangélicos crescem exponencialmente na América Latina, antes considerada sólido reduto católico. Não existindo mais a divisão entre platéia (igreja) e artista (clero), o rock, o rhythm and blues e outros ritmos envolvem de tal modo o ouvinte que ele se torna um instrumento adicional à música, com suas mais diversas reações.

Durante uma entrevista para a televisão, há não muito tempo atrás, a romancista Margareth Atwood deu uma explicação muito boa de por que a idéia de um Deus mais humanizado atrai mais as pessoas. “Elas se sentem solitárias”, disse. “Ao olharem para o universo, as pessoas não querem saber de rochas e gases. Elas querem alguém com quem conversar”.

Vamos, então, voltar ao início e nos aproximar de Deus como espectadores, aceitando uma distante promessa de descanso eterno recheada de Mozart e Michelangelo? Ou trabalhamos o assunto de maneira mais coletiva, colocando as barbas do Criador de molho?

As belezas ritualísticas de Católicos, Episcopalistas e Luteranos podem não estar em alta como eles gostariam. Mas a história trabalha em ciclos, e eles podem voltar a ter seus dias de glória.

Enquanto isso, pegue a sua guitarra e bata um bocado de palmas.


HOLLAND, Bernard. Does simple music form simple faith? The New York Times on the Web, sessão Music. Extraído de http://www.nytimes.com, acessado em 24 de setembro de 2007.

terça-feira, junho 05, 2007

Série Compositores Brasileiros: Radamés Gnatalli (tb demorou, mas saiu...)


2006 foi o Ano Mozart. Se não fosse a grandeza do “milagre de Salzburgo”, comemoraríamos com mais vigor o centenário de nascimento de Radamés Gnatalli (1906-1988). Mas não se preocupem, o centenário de Gnatalli não passou em branco. Foi comemorado com um concerto especial na sala Cecília Meirelles, durante o mês de julho. Não ficou sabendo? Pois é, nem eu...

Os intelectualóides que tomam conta de nossas programações culturais só conseguem me deixar mais nervoso com esse tipo de atitude. Não fizeram quase nada pro Mozart, e menos ainda pro Gnatalli. Eu ainda tenho um treco por causa desses imbecis. Respirei fundo, agora segue o texto.

Gnatalli, como sugere o nome, é filho de imigrantes italianos e nasceu em Porto Alegre. Começou seus estudos em música aos 14 anos, no Conservatório da capital gaúcha. Aos 19 já estava no Rio dando concertos e recebendo elogios da crítica. Mas a vida de concertista era difícil, e por isso tocava em cinemas e bailes. Desde quando começou suas atividades no Rio, Gnatalli sempre colaborou com os grandes de nossa música.

Não conheço muito de sua obra, mas Gnatalli é sempre citado como um excelente maestro e arranjador. Suas composições, dizem os críticos, são inovadoras e arrojadas. E acredito neles. Imerso no caldeirão modernista, Gnatalli absorvia bem o Jazz, trabalhava muito bem o choro, e dedicava-se com afinco ao erudito. Era um músico que atuava em várias frentes e dominava todas elas.

É um descaso dos nossos intelectualóides deixar passar o aniversário desse nosso patrimônio. Sinto palpitações, é melhor parar por aqui. A Biblioteca Nacional criou um portal especial sobre Gnatalli, com biografia e músicas digitalizadas. Aproveitem, pois vai que fecham esse negócio. Acessem em http://www.bn.br/fbn/musica/radames/radames.htm

quinta-feira, maio 17, 2007

Uma homenagem a Mstislav Rostropovich


Foi exatamente na noite do dia 18 de março de 2002, segundo registra o ingresso do concerto na sala Cecília Meirelles. Estávamos no hall principal da sala, meu amigo Ivan e eu, durante o intervalo. Surge de repente uma comitiva de umas seis pessoas, e no meio delas um senhor já idoso, de braços com uma senhora, quem sabe a esposa. Atrás da comitiva, um outro senhor, este de meia idade, anunciava com empolgação: “É o Maestro Rostropovich! É o Maestro Rostropovich!”. Ao reconhecê-lo, o público aplaudiu carinhosamente. Eu e meu amigo, amantes inveterados de ópera, pensávamos somente em reconhecer a senhora de braços dados com ele: “Será que aquela é a Galina Vishnevskaya?!”

Essa é o único fato que me comove a escrever sobre a morte do violoncelista russo Mstislav Rostropovich. Nunca ouvi nenhuma de suas gravações e nunca li nenhuma crítica de seu trabalho. E o pouco que sei de sua biografia está muito ligado à Galina Vishnevskaya, esposa e grande soprano russa.

Durante aquele mês de março de 2002, Rostropovich veio ao Brasil para reger o balé Romeu e Julieta, de Prokofiev, numa produção elogiadíssima do Teatro Municipal. Durante uma entrevista, Rostropovich disse que a orquestra do Theatro era de alto nível, e que poderia tocar qualquer coisa, de qualquer compositor. Gentileza? Incentivo? Ironia? Não sei.

É estranho pensar que, apesar de escrever e emitir opinião sobre ele, o sr. Rostropovich me é, com igual equilíbrio nas palavras, um ilustre desconhecido.

segunda-feira, março 05, 2007

Wagner, o traveco?!

Carta sugere que Wagner gostava de se vestir de mulher
Plantão Publicada em 02/03/2007 às 19h08m
Eduardo Fradkin - O Globo

RIO - Uma carta inédita do sisudo compositor de óperas Richard Wagner (1813-1883) para um costureiro italiano, encomendando roupas femininas com uma impressionante profusão de detalhes - relativos a corpetes, babados, anáguas, anquinhas, etc. - levantou, na Inglaterra, a hipótese de ele gostar de se travestir.


(...)

O fato que reforça a teoria de que as roupas encomendadas eram para o próprio Wagner é que sua esposa Cosima jamais anotou em seu diário tê-las recebido.



Ah, legal! Quer dizer que se Frau Wagner não se acusar do além-túmulo e disser que as calçolas eram dela, o pobre Richard Wagner vai levar a fama de traveco? Ufa, então acho que fiz bem em jogar fora um a cueca rosa que eu tinha na gaveta.

Triste esse nosso tempo, quando um grande compositor não é mais lembrado por suas melodias.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Uma homenagem a Arturo Toscanini (porque eu sou fã de regentes tiranos!)

Já há muito tempo ouço que a época dos regentes tiranos acabou. Realmente, com a morte de Herbert von Karajan em 1989, as orquestras não andam tolerantes com o pulso firme de alguns regentes. O caso mais recente foi o de Riccardo Muti, citado no último post, que foi chutado do pódio do Scala pela pressão da orquestra, que não suportava mais a grandiosidade de seu ego.

Concordo com os que dizem que ter um grande talento não é pretexto para ter uma grande empáfia. Mas eu vejo a questão muito além de um conflito de egos (porque o músico é a mais perfeita definição freudiana do ego). O regente deixou de ser chef d’orchestre e tornou-se colaborador com o músico. E por mais reacionário que possa parecer ser regente é comandar, é ter poder, e se preciso for, é ser tirano também. Muitos regentes hoje não têm consciência disso, e as orquestras também não deixam os regentes terem consciência disso. Mas antigamente... Quanta diferença.

Arturo Toscanini (1857-1957) não era simplesmente tirano. Era despótico, temperamental e explosivo. Gritava com músicos e cantores, não se satisfazia facilmente com a sonoridade da orquestra, e era capaz de grosserias estúpidas. E a tirania de Toscanini é tão superlativa quanto sua grandeza e genialidade no pódio.

Em qualquer gravação de Toscanini fica evidente, acima de tudo, sua fidelidade à partitura. Toscanini obedecia religiosamente os tempos, as marcações, ou qualquer anotação que o compositor tivesse feito na partitura. Mas ele está longe de ser um simples repetidor. Toscanini preocupava-se com as intensões do compositor, e dissecava cada passagem com precisão cirúrgica. Cada marcação, cada entrada, cada corte era executado sem atropelos. Nenhuma melodia fica mais evidente do que outra, nenhuma sessão da orquestra aparece mais do que outra. E a energia que ele impunha em tudo o que regia. É curioso ouvir suas gravações também para ouvi-lo em ação, literalmente. Em várias delas, podemos ouvir Toscanini, por exemplo, dando instruções à orquestra, ou cantarolando a melodia em execução.

Toscanini costumava dizer: “na política, seja democrático; mas na arte, seja conservador”. Ao ouvi-lo, nada de sua tirania ou maus modos fica evidente. O que fica evidente é a música que ele executa e o quão poderosa ela é.

Sem dúvida nenhuma, Toscanini é o maior regente de todos os tempos. Seu legado para a música é gigantesco e dele somos eternos devedores. Curioso é que, junto dele, tiranos contumazes também são chamados de “gênio”: Hans Knappertsbusch, Otto Klemperer, Herbert von Karajan, Sergiu Celibidache. Inconscientemente, adoraríamos que esses tiranos continuassem a governar a música.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Em alta para 2007: Daniel Barenboim

Meu primeiro post do ano é profético, pois se 2006 foi o Ano Mozart, ouso dizer que 2007 será o Ano Daniel Barenboim. Nenhuma personalidade da música erudita contabilizou muitas manchetes, ou sofreu tanta especulação quanto ele em 2006, que começará este ano com uma responsabilidade: a de ser o regente mais influente da atualidade.

Creio que este seja o ano-chave para a carreira de Barenboim como regente. Apesar de sua aposentadoria do cargo de diretor artístico da Orquestra Sinfônica de Chicago, um outro cargo de muito mais peso o espera. Com a demissão forçada de Riccardo Muti, Barenboim foi convidado para ser o principal regente convidado do Teatro La Scala de Milão. E o que tudo indica é que a palavra “convidado” pode se tornar “titular”, e Barenboim assumiria a direção artística da mais tradicional casa de ópera do mundo. Para que se entenda a dimensão do cargo que Barenboim está para assumir, pense o seguinte: o La Scala está para a ópera, e para a música, assim como o Vaticano está para o Catolicismo.

Outro evento que colocou Barenboim em evidência para 2007 foi Lorin Maazel, diretor artístico e regente da Orquestra Filarmônica de NY, tê-lo apontado como seu preferido para sucedê-lo à frente dessa orquestra. Foi uma surpresa para todos, desde os músicos até a impressa especializada. Mas dizendo “lisonjeado”, Barenboim recusou o convite.

Pessoalmente, Barenboim nunca me chamou a atenção. Primeiro, porque ele é frequentemente comparado ao grande Wilhelm Furtwängler, o que é totalmente descabido e absurdo. Segundo, porque seu estilo é uma reminiscência da escola germânica do início do século XX, que presa por frases melódicas alongadas e tempos um pouco lentos, e que não me agrada. E mesmo essa reminiscência vira uma caricatura se comparada com o estilo de outros gigantes como Hans Knappertsbusch, Otto Klemperer ou até mesmo Erich Leinsdorf. E terceiro, porque Barenboim possuí concorrentes de peso no pódio, muito mais competentes e carismáticos.

Mas é justamente no vácuo do meu terceiro argumento de onde sai a atual proeminência de Barenboim. Pois seus grandes concorrentes no pódio estão deixando a atividade, ou por aposentadoria, ou por falecimento mesmo. Da safra de regentes que despontaram no pós-guerra, só Barenboim, Zubin Mehta e Seiji Ozawa estão em plena atividade. E desses três, que eu tenha conhecimento, Barenboim é o único que rege com frerqüencia na Europa e na América, desde concertos a óperas completas.

Se Barenboim levou tempo para despontar não foi por falta de currículo. Nascido na Argentina (estudei com um parente dele no 2° grau, inclusive), de família judia e radicado desde menino na Rússia, suas aulas de regência foram com Igor Markevitch, um grande regente russo. Nesse período conheceu Zubin Mehta, que também assistia às aulas de Markevitch. Seu primeiro grande trabalho foi a gravação integral dos concertos para piano e orquestra de Beethoven com Otto Klemperer, excelente regente alemão que era quase um tirano de tão exigente. Casado com o prodígio Jacqueline Du Pré (violoncelo), formou uma profunda parceria com músicos judeus proeminentes: Itzhak Perlman (violino), Pinchas Zukerman (violoncelo) e o amigo Zubin Mehta. A parceria e a amizade eram tão grandes que a trupe passou a ser conhecida como “Kosher Nostra”.

Desde 2003 o nome de Daniel Barenboim passou a soar mais forte no ‘métier’. E com polêmica. Convidado para reger a Filarmônica de Israel, Barenboim decidiu tocar a abertura da ópera “Os Mestres Cantores de Nuremberg”, de Richard Wagner. Execuções das obras de Wagner são um tabu em Israel por causa da propaganda nazista, e Barenboim teve que mudar o repertório do concerto. Mas no segundo dia de apresentações, sob protesto de alguns, a abertura foi tocada como bis ao final do concerto.

Nesse mesmo ano, a nossa Companhia das Letras lançou no Brasil seu livro “Paralelos e Paradoxos”, escrito em parceria com o crítico palestino Edward W. Said. Em pauta, música, cultura e o conflito árabe-israelense. Os paralelos que cruzam e os paradoxos que separam israelenses e palestinos. Nesse mesmo período, Barenboim formou a West-Eastern Divan Orchestra, um projeto que une jovens músicos dos dois lados. A orquestra já gravou um CD e dois DVDs, e sobrevive apesar de tudo. Recentemente, durante a guerra entre Israel e Líbano, cinco musicistas palestinos abandonaram a orquestra em protesto.


Vamos adimitir. Se comparadado com seus companheiros, Barenboim têm trabalhado demais, e por muito tempo. Ele merece a projeção que vem tendo. Que faça um bom trabalho, portanto!