Já há muito tempo ouço que a época dos regentes tiranos acabou. Realmente, com a morte de Herbert von Karajan em 1989, as orquestras não andam tolerantes com o pulso firme de alguns regentes. O caso mais recente foi o de Riccardo Muti, citado no último post, que foi chutado do pódio do Scala pela pressão da orquestra, que não suportava mais a grandiosidade de seu ego.
Concordo com os que dizem que ter um grande talento não é pretexto para ter uma grande empáfia. Mas eu vejo a questão muito além de um conflito de egos (porque o músico é a mais perfeita definição freudiana do ego). O regente deixou de ser chef d’orchestre e tornou-se colaborador com o músico. E por mais reacionário que possa parecer ser regente é comandar, é ter poder, e se preciso for, é ser tirano também. Muitos regentes hoje não têm consciência disso, e as orquestras também não deixam os regentes terem consciência disso. Mas antigamente... Quanta diferença.
Arturo Toscanini (1857-1957) não era simplesmente tirano. Era despótico, temperamental e explosivo. Gritava com músicos e cantores, não se satisfazia facilmente com a sonoridade da orquestra, e era capaz de grosserias estúpidas. E a tirania de Toscanini é tão superlativa quanto sua grandeza e genialidade no pódio.
Em qualquer gravação de Toscanini fica evidente, acima de tudo, sua fidelidade à partitura. Toscanini obedecia religiosamente os tempos, as marcações, ou qualquer anotação que o compositor tivesse feito na partitura. Mas ele está longe de ser um simples repetidor. Toscanini preocupava-se com as intensões do compositor, e dissecava cada passagem com precisão cirúrgica. Cada marcação, cada entrada, cada corte era executado sem atropelos. Nenhuma melodia fica mais evidente do que outra, nenhuma sessão da orquestra aparece mais do que outra. E a energia que ele impunha em tudo o que regia. É curioso ouvir suas gravações também para ouvi-lo em ação, literalmente. Em várias delas, podemos ouvir Toscanini, por exemplo, dando instruções à orquestra, ou cantarolando a melodia em execução.
Toscanini costumava dizer: “na política, seja democrático; mas na arte, seja conservador”. Ao ouvi-lo, nada de sua tirania ou maus modos fica evidente. O que fica evidente é a música que ele executa e o quão poderosa ela é.
Sem dúvida nenhuma, Toscanini é o maior regente de todos os tempos. Seu legado para a música é gigantesco e dele somos eternos devedores. Curioso é que, junto dele, tiranos contumazes também são chamados de “gênio”: Hans Knappertsbusch, Otto Klemperer, Herbert von Karajan, Sergiu Celibidache. Inconscientemente, adoraríamos que esses tiranos continuassem a governar a música.
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