sexta-feira, setembro 29, 2006

E a orquestra toca, ecoando os problemas do Iraque.

Edward Wong
Colaboração de Wisan A. Habib, de Bagdá e Daniel J. Wakin, de Nova York

A tarde começou com a Abertura 1812, de Tchaikovsky, a orquestra pulsando os acordes marciais pelo auditório, os trompetes, trombones e cordas juntos em um bombástico clímax. Mas o ambiente acalmou-se com uma peça chamada Requiem, escrita esse ano pelo maestro da orquestra. Um solo de violoncelo, lento, lamentoso e contundente, composto como uma elegia para seu país. As centenas de iraquianos e diplomatas ocidentais na platéia pareciam hipnotizados, bem como os guardas portando fuzis Kalashnikov.

“É como uma pessoa que está morrendo”, disse o regente Muhammad Amin Ezzat após o concerto, em clube a oeste de Bagdá. “Por algum tempo ele estava sorrindo. O coração ainda está batendo, mas respirar é difícil, falar é difícil, e ele está próximo da morte”. A mudança repentina entre o “triunfalismo” de Tchaikovsky para a peça de Ezzat reflete o atual estado do Iraque e de um de seus duradouros símbolos de unidade nacional: a Orquestra Sinfônica Nacional Iraquiana.

Por quase três anos de conflito, a orquestra batalhou levantando o moral do país e prestando socorro através da arte. Porém membros da orquestra descobrem que enquanto a arte pode, às vezes, trazer um alento à dura realidade, ela não se sustem como baluarte contra as mazelas do conflito.

Neste verão, quatro membros da orquestra fugiram para a Síria e Dubai, desfalcando a orquestra em dois violoncelistas, um oboísta e um violista. A orquestra conta com 59 musicistas, freqüentemente forçados a ensaiar sem eletricidade, devido a constantes blecautes. Os ensaios acontecem três vezes por semana, no antigo real salão de concertos, localizado no destruído centro histórico de Bagdá, e com guardas armados cercando o prédio. Os musicistas estão ficando sem palhetas e cordas, e poucas lojas de instrumentos permanecem abertas no Iraque, em parte porque as milícias islâmicas bombardearam várias. Eles também preocupam-se em não ofender os milicianos e os vizinhos.

“As circunstâncias afetam o nosso dia-a-dia”, disse Karim Wasfi, o diretor da orquestra e violoncelista. “Mas eu gosto de pensar que apesar das dificuldades e instabilidades, nós existimos, nós tocamos, nós damos esperança”.

A orquestra é uma das mais antigas da região, disse Wasfi. Sua fundação remonta a um quarteto de cordas formado em 1939. O primeiro agrupamento, conhecido como Filarmônica de Bagdá, tornou-se orquestra no início dos anos 50. Seu repertório consiste de compositores europeus, mas também exibe peças de seus membros, incluindo aqueles enraizados na tradição musical árabe.

Desde a invasão americana em 2003, a orquestra se apresentou nos Estados Unidos, Jordânia e Dubai, e se apresenta freqüentemente na região curda do Iraque. Fez sete concertos na última temporada, alguns patrocinados por uma companhia de telefonia móvel do Kuwait. A estréia dessa temporada está marcada para 1 de outubro, em um teatro no subúrbio de Bagdá. O governo paga aos musicistas de 140 a 620 dólares por mês.


Mesmo agora, em que o país se divide em disputas sectárias, a orquestra permanece como um espelho da etnicidade e religiosidade da sociedade iraquiana. Tocando lado a lado estão árabes sunitas e xiitas, curdos, cristãos, secularistas e até um membro da religião Mandeana, uma fé gnóstica que considera Adão e João Batista profetas.

Mas as esperanças nutridas após a queda de Saddam Hussein desapareceram. Naquele ano de 2003, a orquestra tocou no Kennedy Center, em Washington, onde na platéia estavam o Presidente Bush e o Secretário de Estado Colin Powell. Alguns membros foram convidados a visitar a Casa Branca. Agora Ali Khasaf, clarinetista, têm que ensaiar em um cômodo fechado em sua casa, correndo o risco de ofender os milicianos conservadores.

Khasaf mora em Sadr City, a cidadela da milícia comanda pelo clérigo xiita Muktada Al-Sadr. Algumas Sharías controladas por seguidores de Sadr consideram música erudita anti-islâmica, como fez o Taliban no Afeganistão. “Se os vizinhos ouvirem o som, eles podem não gostar”, disse Khasaf, membro da orquestra à 25 anos. “O público aqui não é como no resto do mundo”.

Khasaf não é o único membro de sua família na orquestra. Seu irmão mais velho toca , um mais novo é oboísta, e um sobrinho é trompetista. Khasaf começou a tocar clarinete em 1973, quando ingressou na banda do exército iraquiano. Seguiu os passos do irmão Mehdi, que entrou na banda dez anos antes. “Eu achei muito bonito, então decidi entrar”, disse. “Aprendemos com musicistas russos e alemães, enquanto estávamos no exército”.

Khasaf e seus famíliares têm que esconder seus instrumentos, mas ao menos eles podem praticar em casa. Não é o caso de Izzat Ghafouri Baban, trompetista curdo que mora, segundo o próprio, “em um lugar sujo”: o bairro de Shaab, também controlado pela milícia de Al-Sadr. “Eu não posso praticar em casa porque estou cercado de husseinianas”, disse Baban, referindo-se às mesquitas xiitas que honram o neto do profeta Maomé, considerado mártir. “Imagine se alguém sabe que há um músico em minha casa. Eles diriam que eu estou contra a religião”. Ele só consegue ensaiar chegando duas horas antes que seus colegas. “A única coisa que nos deixa contentes é quando nos revemos. É o melhor momento de nossas vidas”.

Ele disse que sempre costumava levar uma garrafa de uísque para casa, depois de dividi-la com os músicos após os ensaios. Uma vez ele voltava para casa quando viu uma patrulha da milícia xiita. Ele sabia que teria a garganta cortada se encontrassem a garrafa em seu carro, mas foi salvo no último minuto, por um blindado americano que patrulhava a área.

Essa orquestra representa o real mapa do Iraque”, disse Ali Nasser, trombonista. “Esse homem é curdo, um outro alí é cristão. Essa é realmente uma sinfônica nacional. Nossos laços são inquebráveis”. Dizia isso abraçado a Izzat Baban, que acendia um cigarro.

Nasser, talvez mais do que todos, provou sua dedicação à música. Padeiro no sul de Nassíria, ele ou dirige ou pega um táxi para os ensaios. É uma viagem que dura de quatro a seis horas, ida e volta, e o preço da gasolina consome mais da metade de seus ganhos. O pior é que a estrada corre pelo “Triângulo da Morte”, uma área infestada de insurgentes, milicianos e criminosos. Atiradores, certa vez, alvejaram passageiros de um carro poucos metros à sua frente. “Minha mulher diz: ‘Não vá, por favor. A vida é muito ruim em Bagdá. Têm muita morte em Bagdá’. Ela tenta me impedir de vir, mas em tenho que vir. Não podemos sobreviver sem música. É como oxigênio”.

Sobrevivência ainda é a inspiração artística, ao menos por enquanto. Isso ficou evidente nas notas finais do Réquiem, a elegia para o Iraque, interpretada pelo violoncelo de Karim Wasfi. A peça é na maioria estruturada em notas menores, exaltando um clima de desolação. Mas as últimas melodias eram de vigorosas notas maiores. A mensagem era clara: Ainda estamos vivos.

WONG, Edward. And the orchestra plays on, echoing the Iraq’s struggles. The New York Times on the Web, sessão Music. Extraído de
http://www.nytimes.com, acessado em 28 de setembro de 2006.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Obrigado, Thanks, Danke, Merci

Agradeço a todos os amigos que responderam ao post abaixo, com suas sugestões e comentários. Podem aguardar uma série sobre os compositores nacionais, que foi o ítem campeão de pedidos. Mas enquanto isso, dêem uma olhada na sessão de links aqui ao lado, atualizada com uma série de páginas que eu acho essenciais. Teatros, gravadoras, orquestras e sites de conteúdo, para aqueles que querem conhecer um pouco mais do mundo da música clássica.

Abraços e aproveitem!

segunda-feira, julho 03, 2006

Crise de abstinência!

Este blog está passando por uma séria crise de abstinência, causada por trabalho estressante, término de período e preparação para simpósio em S. João Del Rey. Como minha cabeça anda muito ocupada com muita coisa, não tenho tido tempo para pesquisar temas para os artigos.
Então, agora, vocês decidem!
Este espaço é aberto para que os amigos leitores decidam o que querem ler no blog durante minhas férias. Atenção para o tema do blog: Música Erudita. Se você quiser mais informações sobre uma obra, ou sobre um compositor, ou sobre um período específico, deixe sua sugestão na página de comentários deste post. Mas não deixem comentários anônimos, pois não serão considerados. Se preferir, mande um email para thiagoherdy@yahoo.com.br, com a sua sugestão. Mesmo porque, quero responder todas as mensagens.
Saudações musicais!

sexta-feira, maio 12, 2006

Crítica: Idomeneo no TMRJ (demorou, mas saiu!)


Como parte das celebrações mundiais dos 250 anos de Mozart, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro levou à cena sua ópera Idomeneo, composta em 1770. Não é dos melhores trabalhos de Mozart para teatro lírico, mas serve pelo ineditismo. Ao que parece, a ópera nunca foi apresentada no Brasil.

Decidi prestigiar a ópera no domingo, dia 30 de abril. Com os ingressos custando R$1,00 estava consciente do que me aguardava. Cheguei relativamente cedo e encarei uma fila que dava uma volta pelo quarteirão aos fundos do Theatro. Atrás de mim, um rapaz confundia alhos com bugalhos, cantarolando a quinta sinfonia de Beethoven. À minha frente, uma senhora mostrava para a amiga a miríade de guloseimas que iria distrair suas crianças durante as quase quatro horas de espetáculo. E dentro da sala, uma outra senhora não se cansava de tirar fotos dos cantores em ação no palco. São exemplos de pessoas sem a mínima noção de etiqueta em um teatro de ópera, mas eu não estava em posição de exigir nada. Fiz força para não reclamar e segui com minha apreciação do espetáculo.

Embora possuindo alguns traços originais, a produção dirigida pelo Sr. André Heller-Lopes é um espelho de outro Idomeneo, levado à cena pela Metropolitan Opera de NY e dirigida por Jean-Pierre Ponelle em 1981. A comparação é inevitável, para azar do Sr. Heller-Lopes. Baseia-se em figurinos do século XVIII moldurados por cenários que lembram a Antiguidade Clássica. Alguém pode até dizer que esse era o costume na época de Mozart, e era mesmo. Mas estamos no século XXI. Esse costume não tem mais razão de ser praticado. E por prestigiar outras produções dirigidas pelo Sr. Heller-Lopes, posso afirmar que não houve intenção nenhuma de revisitar antigas tradições.

Os figurinos são o ponto forte da produção. São bem montados e de muito bom gosto, onde as cores e os modelos distinguem cada grupo que atua na trama. Os cretenses usam uma combinação de verde com branco, os troianos usam só azul-claro e os gregos usam só preto. Devo dizer que foi uma idéia muito bem pensada e que me agradou muito. A concepção dos cenários também é digna de elogios, apesar de pecar ora pelo excesso, ora pela falta de sentido. Mas isso não é tanto demérito do cenógrafo, e sim do diretor.

O Sr. Heller-Lopes não peca só por querer requentar velhas idéias, mas pela total falta de bom senso na direção do seu espetáculo. A ópera foi bem nos primeiros dois atos, mas no terceiro ato resolveu-se abusar do mal-gosto. Não contente em deixar a destruição causada pela serpente na imaginação da platéia, o Sr. Heller-Lopes pendurou pelo palco peças inteiras de carne crua, transformando o Theatro num açougue! Fez ainda com que o Grande Sacerdote de Netuno atirasse ao chão alguns bifes crus enquanto dizia “Eis o que resta do teu povo”. Nossos diretores têm muita imaginação, mas não a utilizam de forma inteligente.

Outra idéia infeliz do Sr. Heller-Lopes foi instalar um chafariz durante a ária Zeffiretti lusinghieri. Os jatos d’água eram tão fortes que atrapalhavam a audição do soprano Silviane Bellato. Foi tamanha a minha indignação que eu quase gritei “desliga esse troço André Heller!”. Essa é uma lição que nossos diretores teimam em não aprender. Qualquer recurso cênico que atrapalhe o canto, e a apreciação do canto, deve ser deixado de lado! Não interessa se fica bonito, transgressivo ou tradicional; é a música, é o canto que devem sempre estar em primeiro plano, e qualquer concepção de espetáculo deve estar submetida ao temperamento da música. Nunca o contrário!

Falando agora dos cantores. A política de baixo custo do Theatro Municipal faz com que a casa invista em cantores nacionais, sem esquecer nossas estrelas com carreira consolidada no exterior. Para o papel de Idomeneo, foi escalado o tenor carioca Fernando Portari. É nosso tenor de maior sucesso no exterior, e no TMRJ já encarnou Alfredo (La Traviata, de Verdi), Nemorino (L’Elisir d’Amore, de Donizetti) e Walther von der Wogelveide (Tannhäuser, de Wagner). Fez um Idomeneo vocalmente perfeito, porém cenicamente insano, histérico até. Mas a marcação de cena pedia isso, não foi interpretação pessoal do cantor. Como Idamante, o mezzo Luisa Francesconi foi o destaque da tarde. Uma voz limpa e espaçosa, muito agradável de se ouvir. Na trama da ópera, Idamante é o grande herói: justo em suas decisões, passional em seus sentimentos. Francesconi encarou o papel com maestria, com destaque para sua ária Se cola ne' fati e scritto, e foi coroada com a maior ovação da platéia. Bem merecido! Silviane Bellato (Illia) e Janete Dornellas (Elletra) não fizeram uma performance brilhante, mas não comprometeram a récita. Assim também foi a regência de Silvio Barbato.

Por fim, fica a boa impressão de que os eventos a R$1,00 do TMRJ valem à pena para formação de público. Só espero que o nível de espetáculos mantenha-se nesse patamar, com tendências de melhora. Porque a programação continua muito fraca!

quarta-feira, abril 12, 2006

Minha Páscoa Musical - Parte III

ANTON BRUCKNER
Sinfonia nº9
Te Deum
Frances Yeend, Martha Lipton, David Lloyd, Mack Harrell
Coro Westminster de Nova York
Orquestra Sinfônica da Columbia
Bruno Walter, reg.

Nunca me esqueço da observação de um querido amigo (meio ateu, meio agnóstico) sobre a música de Bruckner: “só através dela eu consigo vislumbrar a existência de ‘Deus’”. Realmente, citando também o maestro Eugen Jochum, existe em Bruckner um místico senso de união com Deus, que não encontra paralelo na obra de nenhum outro compositor, além de Bach.

Foi justamente esse querido amigo que me recomendou Bruckner, há bem uns quatro anos, sabendo de minha especial predileção por Wagner. Bruckner admirava muito Wagner, chegando até a dedicar-lhe uma sinfonia, sua terceira. Mas eu diria que os dois trilharam caminhos opostos. Minha apreciação de Wagner é baseada em conceitos artísticos, filosóficos, estéticos, e por vezes até sexuais. Mas Bruckner é puramente espiritual. Ele mostra essa intenção desde o início, em toda a sua obra.

Essa sinfonia tem uma bela história. Foi composta nos últimos anos de vida do compositor, entre 1889 e 1896. Adoentado, Bruckner se esforçava para terminar a obra. Numa manhã, seu médico particular o encontrou de joelhos, orando: “querido Deus, permita que eu me recupere logo; tu sabes que eu preciso terminar a nona”. Bruckner morreu em 1896, deixando a partitura da nona inacabada, faltando apenas o movimento final. E na primeira capa, uma dedicatória: Zu dem Lieben Gott, “ao querido Deus”.

Mesmo incompleta, a nona de Bruckner é uma obra-prima. Começando com o primeiro movimento, Feierlich, misterioso (Solene, misterioso). Essa é a indicação de tempo da partitura, e não serve só para ditar a rítmica da peça. Nesse caso, como em outros, essa também é a indicação de como o regente deve conduzir a orquestra na execução da peça. Os metais são os responsáveis pelo caráter solene do movimento: são sempre fortes e imperiosos. As madeiras e as cordas são as responsáveis pelo mistério, e o efeito da orquestra em tutti é a mesma sensação de ouvir um grande órgão de igreja.

O Te Deum também é uma das últimas obras de Bruckner. Foi composto em cima de um texto em latim comumente usado na homilia católica. É um texto de grande exaltação à Deus, como criador e senhor de todas as coisas: Sanctus, Sanctus, Sanctus/Dominus Deus Sabaoth/Pleni sunt cæli et terra/Majestatis gloria tuæ (Santo, Santo, Santo é o Senhor das Hostes Celestes. Os céus e a terra são plenos da sua Majestade.).


Creio que Bruckner não é mais famoso porque vive à sombra de grandes sinfonistas, como Brahms, Tchaikovsky e principalmente Mahler. Sinceramente, que continue assim. São poucos os regentes que conseguem transmitir toda a transcendência da música de Bruckner. E principalmente sua devoção.

Minha Páscoa Musical - Parte II


JOHANN SEBASTIAN BACH
A Paixão segundo S. Mateus
Peter Pears, Hermann Prey, Ely Ameling, Marga Höffgen, Fritz Wunderlich, Tom Krause.
Stuttgarter Hymnus-Chorknaben
Orquestra de Câmara de Stuttgart
Karl Münchinger, reg.

Sempre me perguntei porquê toda a encenação do martírio de Cristo é chamada de “Paixão”. O termo hoje possui uma conotação carnal, e seu uso nos redutos evangélicos me incomoda ao extremo. Mas descobri recentemente (durante pesquisas para este artigo) que a conotação carnal e espiritual da palavra possui uma linha de desenvolvimento lógica. A palavra “paixão” deriva do vocábulo latino passio, e significa literalmente “sofrimento”. A cultura dos diversos povos de origem latina fez com que a semântica da palavra se alargasse, absorvendo mais significados. E atribui-se a Shakespeare a autoria da primeira conotação sexual da palavra: “And that my sword upon thee shall approve, and plead my passions for Lavinia’s love” (Tito Andronico. Ato II, cena 1).

A Paixão, na história da música, é uma forma específica de oratório. O texto base, claro, é a narração da crucificação de Cristo contida nos evangelhos sinóticos, e a peça era comumente encenada na sexta-feira santa. Costuma-se dizer que o oratório é uma espécie de “ópera religiosa”. Handel, grande compositor de oratórios, era um operista de mão cheia, o que não é o caso de Bach. No texto anterior eu disse que o compositor de ópera, por lidar com “sentimentos à flor da pele”, tem facilidade de pôr em música a religiosidade. Mas isso não impede o surgimento de um compositor que possua pleno entendimento do caráter pio do texto religioso. Um artista que faz da música religiosa a sua própria profissão de fé. Só dois compositores, na minha opinião, alcançaram essa excelência: Bach e Bruckner (desse último falaremos em breve).

Creio que a associação entre o oratório e a ópera seja melhor explicada dentro da idéia do “drama musical” de Richard Wagner, independente da centena de anos que separam os dois compositores. Basicamente, Wagner imaginou suas óperas tendo como base o uso dos “motivos”, temas instrumentais que ocorreriam na ação da música para caracterizar um personagem, para expressar um sentimento específico, e assim por diante. A idéia não é propriamente nova na história da música, mas Wagner é o grande responsável por teorizar esse conceito e transformá-lo na idéia de drama musical.

De certa forma, creio que Bach antecedeu Wagner na concepção do drama musical, até pela própria estrutura da A Paixão segundo S. Mateus. Bach concebeu três planos temporais para a Paixão. O primeiro, é a narração em si da trama feita pelo Evangelista (Pears). Toda a ação dramática (musicalmente falando) se desenrola à partir dele, que narra a história e dá a entrada para a intervenção das demais personagens. Justamente por ter essa função de narrador, sua linha de canto não possui uma linha melódica muito elaborada, por assim dizer. Para caracterizar o Evangelista, Bach faz uso de um recurso chamado recitativo, que é acompanhado por um instrumento contínuo, geralmente o cravo.

O segundo plano é o círculo das personagens apresentadas pelo Evangelista. Nesse momento as personagens ainda não desenvolveram uma linha de canto expressiva. Todas estão presas no esquema do recitativo, mas todas possuem uma orquestração que as diferencia. Jesus (Prey) é o melhor exemplo disso. Sua linha de canto é suave e flúida, e tem sua correspondência na orquestra com os primeiros violinos. Eles são responsáveis por acompanhar as intervenções de Jesus, em legatto continuo. O efeito que se obtêm é de uma profunda santidade, como se uma presença divina sempre o acompanha-se. Está aqui um exemplo rudimentar do uso de “motivos” como Wagner havia teorizado: um tema musical recorrente na obra, que é associado a uma personagem e sua características principais. Bach faz uso desse recurso com maestria.

O terceiro plano temporal é o mais importante para o drama musical da A Paixão segundo S. Mateus: é o plano do homem comum, representado pelo quarteto de solistas: Ely Ameling, soprano; Marga Höffgen, contralto; Fritz Wunderlich, tenor; Tom Krause, baixo. A função deles é a mais importantes de todas pois eles não contam a história, e sim interagem com a história. Os solistas são responsáveis por expressar o caráter humano das personagens bíblicas, mostrando que o sofrimento de Cristo não pode ficar somente impresso nas páginas da Bíblia, e sim fazer parte do nosso imaginário. Musicalmente, saímos do plano dos recitativos para uma linha de canto mais elaborada, que chamamos de ária. São peças melodicamente mais expressivas e harmonicamente mais complexas que os recitativos, onde o cantor têm toda a liberdade para mostrar sua técnica e sua interpretação.

Com quase quatro horas de duração, A Paixão segundo S. Mateus é um épico da música religiosa e um marco na história da música. Isso não impediu que Bach amargasse mais de 60 anos de ostracimo após sua morte, em 1750. Só em 1829, sob a regência de Felix Mendelssohn, essa mesma A Paixão segundo S. Mateus reabilitou Bach à seu pedestal na história da arte. Justiça feita.

segunda-feira, abril 10, 2006

Minha Páscoa Musical - Parte I


Um dos hábitos que eu adquiri com o tempo, foi o de passar os feriados santos ouvindo música religiosa. Para mim, que sou movido por música, é uma forma bem especial de celebrar os ritos cristãos, e essa Páscoa não será diferente. Como vai funcionar? Recolhi as obras religiosas de diversos compositores, que tenham como tema comum a Páscoa, a idéia de morte e ressurreição, ou algo que provoque em mim alguma dessas sensações. Escolhidas as obras, distribuo-as pelos dias de feriado, de quinta a domingo.

Essa é uma das obras que eu pretendo ouvir:

W.A. MOZART
Requiem
Edith Mathis, Julia Hamari, Wieslaw Ochman, Karl Ridderbusch
Coro da Ópera Estadual de Viena
Orquestra Filarmônica de Viena
Karl Böhm, reg.

Esqueçam qualquer história que vocês já ouviram sobre o Requiem de Mozart, principalmente a do filme Amadeus, de Milos Forman. O que você ouviu (e viu) faz parte de um repertório de factóides, já plenamente desmistificados pelos estudiosos.

A encomenda da obra partiu do Conde Walsegg-Stuppach, em 1791, que queria homenagear a esposa com uma grande missa fúnebre. Mozart estava no auge de sua efervecência criativa. Por exemplo, em um curto espaço de semanas Mozart estreou suas duas últimas óperas: La Clemenza di Tito (A Clemência de Tito) em Praga, dia 01 de setembro, e Die Zauberflöte (A Flauta Mágica) em Viena, dia 30 de setembro. E entre aulas de piano, rodas de bilhar e festas, Mozart se esforçava para compor o Requiem. Como sabemos, ele o deixou inacabado e coube a um de seus discípulos o término da obra.

E estruturalmente, o que é um Requiem? Requiem vem do latim e significa “descanso”. Uma Missa de Requiem tem como base textual a homilia católica para um ofício fúnebre, que pode ser feito exatamente após o enterro ou decorrido algum tempo, em memória do falecido. São cânticos em latim, cuja ênfase seria desejar uma boa passagem para o morto e misericóridia para os vivos. Para manter o caráter fúnebre da peça, as passagens Gloria e Credo (comuns nas missas regulares e que possuem um espírito celebrativo) são suprimidas, e é inserido o texto Dies Irae (Dia de ira).

Vários outros compositores compuseram um Requiem. Giuseppe Verdi compôs um lindíssimo (o meu favorito, sem dúvida. Mas estamos no Ano Mozart...), cheio de dramaticidade. Gabriel Fauré também é muito celebrado por seu Requiem, assim como Hector Berlioz e Antonin Dvořak. Johannes Brahms e Lord Benjamin Britten compuseram Requiens bem interessantes. O de Brahms é chamado Ein Deutsches Requiem (Um Requiem Alemão), e não usa textos católicos; usa trechos da Bíblia de Lutero, em alemão. O de Britten é chamado War Requiem (Requiem de Guerra), que interpola os textos da homilia católica com poemas anti-belicistas de Wilfred Owen, oficial inglês morto na Primeira Guerra Mundial.

Mozart não era um compositor costumeiro de música religiosa. Além do Requiem, compôs também missas, mas não se aprofundou no gênero. Isso em absoluto tira o magnetismo de suas passagens. São eloqüentes e brilhantes, que encontram paralelo com um gênero musical muito caro a Mozart: a ópera. Dos compositores citados acima, pelo menos quatro aventuraram-se no teatro lírico. Penso que esses compositores tem maior facilidade na composição de peças sacras, pois lidam com “sentimentos à flor da pele”. Não são todos que conseguem, em música, transpor os limites do tangível. Digo tangível porque a fé, o amor e a compaixão, quando plenamente entendidos, ultrapassam a existência da razão do mundo. É esse detalhe que diferencia o compositor do mestre: entender o ser humano na sua interessa, quando ele experimenta a grandeza do seu entendimento.

Para encerrar, algumas curiosidades atuais sobre o Requiem de Mozart: 1) foi escolhido pelo governo norte-americano como o Requiem oficial pelas vítimas do 11 de setembro; 2) foi escolhido na comunidade Requiem, no Orkut, o requiem em homenagem ao papa João Paulo II; 3) José Carreras gravou um Requiem de Mozart nos escombros de um igreja ortodoxa na Bósnia, em homenagem aos mortos na guerra civil; 4) A minisérie Os Maias, da Rede Globo, teve o Requiem de Mozart na sua trilha sonora.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O Ano Mozart Chegou!

O Ano Mozart Chegou

Artigo escrito por James R. Oestreich
Traduzido por Thiago Freitas Herdy

Independente de quanto Mozart você vem ouvindo pelas últimas semanas, o Ano Mozart não começa, ao que parece, enquanto Salzburgo não disser que começa.

Bem aqui, na cidade natal de Mozart, as festividades tiveram início na manhã de hoje com um pequeno concerto no Mozarteum, apresentando Nikolaus Harnoncourt regendo a Orquestra Filarmônica de Viena. O programa incluiu a sinfonia n°40 de Mozart e uma infinitude de discursos. E após a série de pronunciamento, o Sr. Harnoncourt, artista convidado para a Semana Mozart, foi direto ao ponto ao discutir a importância da arte, e especificamente a importância da música, para a humanidade.

Ele falou um pouco antes da sinfonia, e ofereceu o melhor de suas memórias entre o segundo e terceiro movimento. Um procedimento cansativo, talvez, mas que trouxe luz no que o Sr. Harnoncourt tinha a dizer não só sobre Mozart, mas sobre a sinfonia em si. O maestro alcançou pleno entendimento da obra quando ainda era músico em uma orquestra, e após várias performances insatisfatórias da obra.

“A partitura dizia algo diferente para mim”, ele disse. “Tudo é questionável, ou mesmo destruído: a melodia, a harmonia, o ritmo”.

Sobre a tonalidade da sinfonia, sol menor, o Sr. Harnoncourt disse que os contemporâneos de Mozart enxergavam nela “uma representação da morte, bem como da melancolia”. Essa é uma obra baseada na paixão e na fatalidade. "A sinfonia se tornou minha sinfonia pessoal sobre o destino, e mudou minha vida por inteiro, porque um dia, depois de 17 anos tocando violoncelo em uma orquestra, decidi nunca mais tocar essa sinfonia de maneira lânguida, e então deixei a orquestra”.

A intensa performance do Sr. Harnoncourt trouxe à tona suas visões sobre a obra. A intimidade demonstrada no primeiro movimento levou a clímaxes maiores que a vida. A lenta transição entre o desenvolvimento e a seção final soou assombrosa.

O Sr. Harnoncourt entrou mais fundo na análise na sinfonia, encontrando a raiz do caráter demoníaco da obra na personalidade do próprio Mozart. “Deve ter sido chocante para a família Mozart”, disse, “quando o pai reconheceu na pequena criança o gênio futuro. Por detrás daquela inteligente e agradável criatura, escondia-se um crocodilo”.

Sugerindo, no fim do concerto, que Mozart pode ter sido “uma pena nas mãos de Deus”, o Sr. Harnoncourt pode ter substituído uma forma simplória de romantismo por uma mais elevada. E essa forma mais elevada foi traduzida em uma excelente performance.

James R. Oestreich é correspondente do NY Times em Salzburgo, para a cobertura da Semana Mozart. Artigo extraído do New York Times On Line, acessado no dia 27 de janeiro de 2006.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Quem tem medo do Mundo Árabe?










Para que se entenda, de uma vez por todas, a onda de radicalização política no Irã e na Palestina, e toda a rodada de violência nos países islâmicos, a sabedoria de Shakespeare:

"Eu sou judeu. Um judeu não possui olhos? Um judeu não possui mãos, órgãos, dimensões, sentidos, afeições, paixões; não é alimentado pelo mesmo alimento, ferido pelas mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, aquecido e resfriado pelo mesmo verão e inverno, como um cristão é? Se nos espetam, nós não sangramos? Se nos fazem cócegas, nós não rimos? Se nos envenenam, nós não morremos? E se nos ultrajarem, nós não nos vingaremos? Se somos iguais a vocês em tudo, também seremos nisso: a vilania que vós me ensinais eu executarei, e a minha será pior que a vossa." (O Mercador de Veneza, ato III).

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Vamos ouvir Mozart, mas sem batucada!

Às vésperas do aniversário de nascimento de Mozart (que aconteceu no dia 27 de janeiro), o Jornal Nacional prestou um desserviço para a música erudita. Em uma matéria sobre o compositor, pediram para que membros da Orquestra Petrobras Sinfônica tocassem uma peça de Mozart com os ritmistas da escola de samba Unidos da Tijuca. E tocaram. Digo apenas que foi uma experiência surreal. A palavra “bizarra” me passou pela cabeça, mas ela é pesada demais e não condiz com a verdade.

Imagino as caras de espanto que os amigos devem estar fazendo, provavelmente chocados com minha insensibilidade frente a manifestações de popularização da chamada música erudita. Parabéns, mas vocês não são os primeiros! Pois minha profunda insatisfação com a chamada “popularização” da música erudita reside no fato de ela estar recheada com um preconceito. Sim, preconceito: o de achar que as camadas populares não são capazes de apreciar a música erudita como ela é. De que precisam de algo que suavize a aura de erudição e intelectualidade que paira sobre as obras de Mozart e Beethoven. Concordo que essa aura existe e que precisa ser desmistificada. Como? Com abundância de concertos do tipo Projeto Aquarius, por exemplo. Aliás, esse é o grande mistério inexplicável dos que defendem a “popularização” da música erudita com o uso de cross overs e da batucada no Jornal Nacional. Como explicar que 30 mil pessoas lotem a praia de Copacabana para assistir a uma sinfonia de Beethoven, sendo que a maioria nada sabe do que é uma sinfonia e qual a importância de Beethoven para a música? Muitos não se lembram, mas há anos atrás o Projeto Aquarius montou a ópera Aida, de Giuseppe Verdi, na Praça da Apoteose. Calcula-se que quase 200 mil pessoas prestigiaram o evento. Preciso dizer mais?

Eu tomo como exemplo principal minha experiência como professor de História da Música para público de baixa renda, e digo que o que falta é oportunidade. É comovente quando as pessoas chegam perto de você, depois de ouvir trechos de sinfonias e óperas, e dizem algo como “nunca pensei que Beethoven estivesse tão próximo de mim”. Ninguém nasce gostando de ópera ou de samba. Isso é adquirido. Também não é minha pretensão formar, do nada, ouvintes consumidores de música erudita. Mas essa bendita “popularização” deve partir da premissa de que ninguém é ignorante. Todos somos capazes de ouvir e de nos emocionar com a música, e não precisamos de qualquer subterfúgio para admirá-la. E acho que esse tem sido o sucesso do meu projeto. Como eu disse, não tenho a pretensão de formar grandes entendedores da obra de Beethoven, mas só de saber que aquelas pessoas experimentaram algo novo e gostaram, já me deixa bastante recompensado.

Então meus amigos, nesse ano em especial, vamos ouvir bastante Mozart. Mas sem batucada!

terça-feira, janeiro 17, 2006

Uma Homenagem a Birgit Nilsson


A crítica dizia que ela possuía um “trompete de prata na garganta”. Um fã nova-yorkino a chamava carinhosamente de “meu rouxinol sueco”. Eu, pessoalmente, não possuo adjetivos que classifiquem Birgit Nilsson (1918-2006), a não ser o de “Melhor Soprano Wagneriano do Pós-Guerra”. Mas isso é consenso.

Para mim, Birgit Nilsson é simplesmente grande. Grande voz, literalmente e subjetivamente. Quando iniciou seus estudos no Conservatório de Estocolmo, um dos professores comentou que a voz dela era quase incontrolável de tão grande. E ela é realmente um colosso. Tem profundidade, brilho, um som metálico límpido, se é que é possível. Mas que também sabia ser gentil, afável, introspectiva. Apropriada para as heroínas de Wagner, principalmente Isolda e Brünnhilde, que eram as mais comumente interpretadas por ela. Ouvi agora pouco o dueto final do Siegfried. Ela fazendo Brünnhilde e Wolfagang Windgassen fazendo Siegfried. Não pude conter as lágrimas, obviamente. A voz, a música, me absorve tão profundamente que eu não tenho forças para ouvir de novo. Dou um largo suspiro e desligo o aparelho de som. Apesar do silêncio, ainda ouço a vibração da voz, a energia da orquestra.

Esses momentos são raros na vida de um melômano. Aquele momento em que você não fala, não pisca e não pensa. Só sente. Não existe quarto, não existe janela, não existe calor. Só existe música, e você faz parte dela. Você não entende uma palavra de alemão, mas, pela música, entende o que significa. Birgit Nilsson foi responsável por muitos desses momentos. Eu, “homem de lábios impuros no meio de um povo de impuros lábios”, sinto-me felizardo por poder usufruir dessa voz excepcional, mesmo que por gravações. Mas não me lamento, pois seria muito pior se não houvesse gravação nenhuma.


Obrigado, Sra. Nilsson. Descançe em paz.


Obs: Acima, Birgit Nilsson como Isolda. Clique na foto e leia na íntegra o obituário publicado no New York Times. Lá, você ainda poderá ouvir trechos de óperas cantadas por ela, bem como assistir a um slide show sobre sua carreira.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

2006: O Ano Mozart

O ano de 2006 tem tudo para entrar na galeria dos "Anos que não Existiram". Em fevereiro, nosso habitual carnaval; em junho e julho, Copa do Mundo; em outubro, eleições presidenciais; e em novembro, teremos a antecipação das festas de fim de ano, e a expectativa para seus eventos correlatos (a retrospectiva do jornalismo, o show do Roberto Carlos e a entrega do último lote de restituição do Imposto de Renda).

Porém, nós melômanos temos um motivo para desejar que este ano passe bem lentamente. Afinal, é o Ano Mozart! Comemoramos 250 anos de nascimento de um dos mais famosos e mais geniais compositores que conhecemos. Faço aqui um voto solene com os amigos leitores, de mantê-los informados sobre todo o movimento mozartniano ao redor do mundo, publicando traduções de resenhas e de artigos. E também publicando resenhas próprias, dos espetáculos que devo assistir. Parece que o Municipal do Rio de Janeiro vai abrir a temporada com Idomeneo, uma das óperas de Mozart. Certamente estarei lá!

E para quem quiser ir entrando no clima, eu recomendo que assistam ao filme Amadeus (1985), com Tom Hulce e F. Murray Abraham, e direção de Milos Forman. Não é um filme propriamente biográfico, pois é muito fantasioso. Mas é um bom filme sobre música. A boa música de Mozart.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

O Ballets Russes: a gênese da dança contemporânea.

Foi com alegria que assisti ao "Arte com Sérgio Britto" na última terça-feira. Era a reprise de um especial sobre a história da dança, e falava especificamente do Ballets Russes. Eu não morro de amores por balé, mas a história do Ballets Russes me encanta. Querem ouvir?
Tudo começou em 1906, quando o russo Serguei Diaghilev chegou a Paris com um objetivo: divulgar a cultura russa na França. Para isso, Diaghilev levava consigo idéias pouco convencionais sobre balé. Admirava muito o estilo de dança livre da americana Isadora Duncan, caracteristicamente de muita força física. Ainda hoje uma potência na dança, Diaghilev importou de sua terra natal toda o seu material humano: Mikhail Fokine era responsável pela mise en scène; Igor Stravinsky compôs seus balés de maior sucesso para a companhia; e os bailarinos solistas eram a excepcional Ana Pavlova e o mítico Vassily Nijinsky. Mais adiante, Nijinsky também faria coreografias para a companhia, que contou também com a colaboração do músico Erik Satie. O Ballets Russes também dançou com cenário de Pablo Picasso e figurinos de Coco Chanel. Com a morte de Diaghilev em 1929, a companhia de dissolveu. A primeira baixa aconteceu dez anos antes, quando Nijinsky abandonou se desligou do Ballets Russes devido a crises de loucura.
Analisando o legado do Ballets Russes, o principal deles é um tanto óbvio. A companhia foi o espaço que abriu as portas para o Modernismo. Um dos primeiros espaços onde as várias vanguardas artísticas se reuniam para fazer arte. Estou ouvindo nesse instante o balé La Sacre du Primetemps (A Sagração da Primavera), de Stravinsky. Foi o balé mais polêmico que a companhia apresentou. É uma orquestração intensa, viril. Uma autêntica orgia pagã. Não imagino nada mais apropriado para a partitura, que a coreografia quase sexual de Nijinsky. A busca por novas expressões corporais foi, com certeza, outro legado do Ballets Russes que persegue muita gente, de Georges Balanchine à nossa Débora Colker. Daí me lembro do filmete de Ana Pavlova dançando a morte do cisne, do famoso balé de Tchaikovsky. Nada que lembre a languidez do balé tradicional. O cisne se contorce de dor, bate as asas com violência, e corre em desespero de um lado para o outro. Pavlova desperta no espectador toda a sorte de sentimentos. Compaixão, principalmente.
É até estranho dizer que eu não gosto de balé. Parece justamente o contrário! Assistir Margot Fontein e Rudolf Nureyev dançando foi uma experiência mais que gratificante. Entendi naquele dia o que é dança. Mas eu sou fã da voz humana. Uma ária de ópera me agrada mais que um balé inteiro.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Um Comunicado aos meus Amigos (Eine Mitteilung am Meine Freunde, 1851) foi uma coletânea dos primeiros ensaios sobre arte e política cultural escritos pelo compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). Apesar de minha grande admiração por suas óperas, nem de longe gostaria de me comparar a ele. Mas confesso que nossas intenções são parecidas.

Primeiramente, faço deste o espaço para divulgação das minhas idéias sobre Arte, Política, Religião, Filosofia, e quem sabe alguma banalidade. Mas meu assunto predominante será Arte, pois, afinal, preciso ganhar meu pão como historiador da arte.

E em segundo lugar, o nome de batismo desse blog é uma singela homenagem aos únicos que parecem interessados em ouvir minhas reinações. À vocês, meus caros amigos, agradecido por se dignarem em ler estas pobres letras, está dedicada a gênese deste espaço. Aproveitem, portanto.