Uma cerimônia na Catedral de São Patrício, no dia 11 de setembro, ofereceu-nos um pouco de música patriótica e alguns trechos dos clássicos. Porém, todo o resto me fez pensar se eu deveria ouvir como crítico ou como cristão. Muito da música litúrgica dos nossos dias pede para que você escolha uma dessas posições.
Com todo o seu bater de palmas, letras inspiratórias e caráter despretensioso, essa música é muito diferente da tradição iniciada com o cantochão, passando por Josquin e Palestrina, depois por Mozart e Beethoven, e finalmente chegando até Messiaen e Britten. Sem a igreja para inspirar – para não dizer financiar – grandes compositores, faltaria uma enorme lacuna na história da música.
Beleza musical, elegância nas harmonias, construção sonora e instigante originalidade eram os requisitos que chamavam atenção do hesitante fiel. A música, como a arquitetura e a pintura, representavam o céu na terra, algo que era distante e intangível; uma propaganda do paraíso, mesmo que longe do alcance das mãos.
Os hinos neo-Eduardianos e as elaborações culturais etno-populares usados no serviço em São Patrício, por outro lado, levam-nos a inferir que a Missa em Si Menor, de Bach, e A Criação, de Haydn, são peças irreligiosas; uma sedução que captura os sentidos e leva o coração para longe da verdadeira comunhão com Deus. Música simples gera fé genuína? Teria Belzebu usado a arte musical aos seus propósitos?
Música sofisticada que não alcança diretamente seus ouvintes – processo que independe da resposta dos ouvintes – carrega em si as sementes de sua eventual irrelevância. Uma razão para o ostracismo da música clássica hoje está nas várias gerações de compositores que exigiram que o público os compreendessem, ao invés do contrário.
Porém, música escrita somente visando o conforto da platéia é igualmente irrelevante. Apertar botões étnicos como forma de acesso fácil à atenção do fiel é pura propaganda. A fácil familiaridade age como o pé do vendedor ambulante, que impede que você feche a porta. É a brecha para começar a vender um produto.
O cristão pode argumentar corretamente que a música é só mais uma ferramenta evangelística, que tanto acompanha a conversão do arrependido, quanto inspira a renovação da fé. Música interessante distrai o fiel, assim é a linha geral de raciocínio. Música interessante não nos instrui a sermos bons ou não sermos maus. Ela serve para ser admirada somente. Juntar grande música e fé genuína acontece, mas com dificuldade.
O Requiem de Verdi, com sua descrição visceral do temor humano diante do Juízo Final, chega perto de satisfazer tanto o crítico quanto o cristão. Minha escolha para a música que tanto mexe com os sentidos, quanto dá ao ouvinte o apropriado temor de Deus, é o gospel cantado nas igrejas negras. Os sons são maravilhosos e todos contribuem para a sua formação.
A igreja tem razão em temer grande música, daí o esforço em retomar nossa atenção através de adaptações rasteiras dos hinários, das missas em latim e do Livro de Oração Comum, da Igreja Anglicana. Eu sou um pequeno exemplo disso, que passei as manhãs de domingo da minha infância na Igreja Episcopal, deixando que a imaginação fértil de Thomas Cranmer, e seu lânguido responsório litúrgico, fizessem parte das minhas orações, sem nenhum pensamento direto a Deus.
Uma razão para que música menos importante seja composta para igrejas é que os compositores têm outras coisas em mente. A primeira delas é sobreviver. As igrejas eram os centros da vida, e também centros da riqueza e do poder. Compositores disputavam o mecenato das paróquias, numa época em que concertos públicos mal existiam. Hoje, o dinheiro que circula para os compositores vem dos círculos seculares.
O declínio da música clássica e o declínio da Igreja Católica têm coisas em comum. As platéias de concertos diminuem e envelhecem como a audiência das igrejas, que é cada vez menor. E os movimentos evangélicos crescem exponencialmente na América Latina, antes considerada sólido reduto católico. Não existindo mais a divisão entre platéia (igreja) e artista (clero), o rock, o rhythm and blues e outros ritmos envolvem de tal modo o ouvinte que ele se torna um instrumento adicional à música, com suas mais diversas reações.
Durante uma entrevista para a televisão, há não muito tempo atrás, a romancista Margareth Atwood deu uma explicação muito boa de por que a idéia de um Deus mais humanizado atrai mais as pessoas. “Elas se sentem solitárias”, disse. “Ao olharem para o universo, as pessoas não querem saber de rochas e gases. Elas querem alguém com quem conversar”.
Vamos, então, voltar ao início e nos aproximar de Deus como espectadores, aceitando uma distante promessa de descanso eterno recheada de Mozart e Michelangelo? Ou trabalhamos o assunto de maneira mais coletiva, colocando as barbas do Criador de molho?
As belezas ritualísticas de Católicos, Episcopalistas e Luteranos podem não estar em alta como eles gostariam. Mas a história trabalha em ciclos, e eles podem voltar a ter seus dias de glória.
Enquanto isso, pegue a sua guitarra e bata um bocado de palmas.
Com todo o seu bater de palmas, letras inspiratórias e caráter despretensioso, essa música é muito diferente da tradição iniciada com o cantochão, passando por Josquin e Palestrina, depois por Mozart e Beethoven, e finalmente chegando até Messiaen e Britten. Sem a igreja para inspirar – para não dizer financiar – grandes compositores, faltaria uma enorme lacuna na história da música.
Beleza musical, elegância nas harmonias, construção sonora e instigante originalidade eram os requisitos que chamavam atenção do hesitante fiel. A música, como a arquitetura e a pintura, representavam o céu na terra, algo que era distante e intangível; uma propaganda do paraíso, mesmo que longe do alcance das mãos.
Os hinos neo-Eduardianos e as elaborações culturais etno-populares usados no serviço em São Patrício, por outro lado, levam-nos a inferir que a Missa em Si Menor, de Bach, e A Criação, de Haydn, são peças irreligiosas; uma sedução que captura os sentidos e leva o coração para longe da verdadeira comunhão com Deus. Música simples gera fé genuína? Teria Belzebu usado a arte musical aos seus propósitos?
Música sofisticada que não alcança diretamente seus ouvintes – processo que independe da resposta dos ouvintes – carrega em si as sementes de sua eventual irrelevância. Uma razão para o ostracismo da música clássica hoje está nas várias gerações de compositores que exigiram que o público os compreendessem, ao invés do contrário.
Porém, música escrita somente visando o conforto da platéia é igualmente irrelevante. Apertar botões étnicos como forma de acesso fácil à atenção do fiel é pura propaganda. A fácil familiaridade age como o pé do vendedor ambulante, que impede que você feche a porta. É a brecha para começar a vender um produto.
O cristão pode argumentar corretamente que a música é só mais uma ferramenta evangelística, que tanto acompanha a conversão do arrependido, quanto inspira a renovação da fé. Música interessante distrai o fiel, assim é a linha geral de raciocínio. Música interessante não nos instrui a sermos bons ou não sermos maus. Ela serve para ser admirada somente. Juntar grande música e fé genuína acontece, mas com dificuldade.
O Requiem de Verdi, com sua descrição visceral do temor humano diante do Juízo Final, chega perto de satisfazer tanto o crítico quanto o cristão. Minha escolha para a música que tanto mexe com os sentidos, quanto dá ao ouvinte o apropriado temor de Deus, é o gospel cantado nas igrejas negras. Os sons são maravilhosos e todos contribuem para a sua formação.
A igreja tem razão em temer grande música, daí o esforço em retomar nossa atenção através de adaptações rasteiras dos hinários, das missas em latim e do Livro de Oração Comum, da Igreja Anglicana. Eu sou um pequeno exemplo disso, que passei as manhãs de domingo da minha infância na Igreja Episcopal, deixando que a imaginação fértil de Thomas Cranmer, e seu lânguido responsório litúrgico, fizessem parte das minhas orações, sem nenhum pensamento direto a Deus.
Uma razão para que música menos importante seja composta para igrejas é que os compositores têm outras coisas em mente. A primeira delas é sobreviver. As igrejas eram os centros da vida, e também centros da riqueza e do poder. Compositores disputavam o mecenato das paróquias, numa época em que concertos públicos mal existiam. Hoje, o dinheiro que circula para os compositores vem dos círculos seculares.
O declínio da música clássica e o declínio da Igreja Católica têm coisas em comum. As platéias de concertos diminuem e envelhecem como a audiência das igrejas, que é cada vez menor. E os movimentos evangélicos crescem exponencialmente na América Latina, antes considerada sólido reduto católico. Não existindo mais a divisão entre platéia (igreja) e artista (clero), o rock, o rhythm and blues e outros ritmos envolvem de tal modo o ouvinte que ele se torna um instrumento adicional à música, com suas mais diversas reações.
Durante uma entrevista para a televisão, há não muito tempo atrás, a romancista Margareth Atwood deu uma explicação muito boa de por que a idéia de um Deus mais humanizado atrai mais as pessoas. “Elas se sentem solitárias”, disse. “Ao olharem para o universo, as pessoas não querem saber de rochas e gases. Elas querem alguém com quem conversar”.
Vamos, então, voltar ao início e nos aproximar de Deus como espectadores, aceitando uma distante promessa de descanso eterno recheada de Mozart e Michelangelo? Ou trabalhamos o assunto de maneira mais coletiva, colocando as barbas do Criador de molho?
As belezas ritualísticas de Católicos, Episcopalistas e Luteranos podem não estar em alta como eles gostariam. Mas a história trabalha em ciclos, e eles podem voltar a ter seus dias de glória.
Enquanto isso, pegue a sua guitarra e bata um bocado de palmas.
HOLLAND, Bernard. Does simple music form simple faith? The New York Times on the Web, sessão Music. Extraído de http://www.nytimes.com, acessado em 24 de setembro de 2007.
Um comentário:
NOTA DO BLOGUEIRO
Deixando de lado o ponto de vista analítico do Sr. Holland, que é crítico musical do NY Times, gostaria de trazer à discussão um ponto.
Levando em conta toda a atividade musical das igrejas, sua receptividade e, porque não, o seu mercado, esse questionamento me salta: "Qual é a linha que separa a verdadeira adoração do espetáculo banal"?
Creio que essa era a pergunta que o Sr. Holland tinha em mente.
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