Na tese 11 de seus
Conceitos sobre História, Walter Benjamin desenvolve uma crítica
ferrenha à social-democracia alemã, a partir de uma análise do
desenvolvimentismo propagado por eles. Para Benjamin, “nada foi
mais corruptor para a classe operária alemã do que a opinião de
que era ela que nadava com a corrente”. Ao sequestrar o
proletariado alemão para uma visão idealista do trabalho, onde o
desenvolvimento das forças produtivas significava, automaticamente,
a emancipação politica da classe, a social-democracia alemã
retirou o proletariado alemão de sua tarefa histórica – a
revolução.
A tese 11 de
Benjamin é, na verdade, um acerto de contas histórico com a traição
da social-democracia alemã. Traição ideológica por retirar o
proletariado alemão do horizonte revolucionário, mas também
traição política. Optando pela via reformista, disputando os
espaços de poder na recém-implantada República de Weimar, a
social-democracia alemã deixou que a Direita alemã apontasse seus
canhões contra a Liga Espartaquista e o Partido Comunista Alemão. O
resto é história: com a vanguarda revolucionária desmantelada,
nada se pode fazer quando estrondou o relâmpago do nazismo. Benjamin
morreu dias depois de terminar esse manuscrito, em 1940, tentando
fugir dos nazistas.
O Brasil sofre de
incongruências crônicas em sua política. A começar pelo fato de
que os partidos sociais-democratas brasileiros (PSDB/PSD/DEM) são
ideologicamente liberais ou conservadores, em total antagonismo com a
tradição social-democrática europeia. Por outro lado, partidos que
deveriam ser minimamente socialistas (PT/PCdoB) optam por ocupar o
vazio ideológico causado pela falta de um dirigismo progressista na
política brasileira. Essas aberrações no espectro politico
brasileiro abrem caminho para o chamado Centrão e seu fisiologismo.
Transformam a democracia representativa em um jogo de cooptação: os
partidos políticos maiores deixam-se canibalizar pela ditadura da
minoria, e essa minoria mina a democracia aos poucos, em nome de seus
interesses espúrios.
Para piorar nosso já
conturbado cenário político, a aliança PT/PCdoB decidiu ocupar
também o Centro ideológico. Realinhou a via
nacional-desenvolvimentista na figura do Lula e inauguraram o
lulismo. Com isso, o PT postou-se como única via democrática
viável. Foi uma jogada de puro gênio. Figuras como Marina e Ciro
Gomes, desde o fim do segundo governo Lula, perderam totalmente sua
viabilidade ideológica. Militantes petistas históricos como Eduardo
Suplicy perderam fôlego. O PDT esvazou-se e foi jogado ao
fisiologismo. E as centrais sindicais que apoiavam o PT entregaram-se
ao projeto lulista sem reservas. A corrente que levou o proletariado
alemão na década de 1910, chegou ao Brasil na figura do Lula e do
PT.
Foi uma jogada de
puro gênio. Maligno. Quando precisou de bases sólidas para combater
o retrocesso, o PT não as tinha. Pior: ao buscar apoio da Esquerda
revolucionária, esta lhes virou as costas. Veio o golpe, veio o
caos. De certa forma, a traição da social-democracia alemã foi
vingada no dia 30 de agosto de 2016. Quando se abandona o horizonte
revolucionário, quando se opta pela política viciada da ordem
burguesa, você está fadado à conveniência dos poderosos. Essa foi
uma lição que a Esquerda brasileira quis dar ao PT. Não adiantou.
Pior: criou-se um vazio político que até hoje não foi preenchido.
Ao não deixar
espaço de manobra para os demais partidos, o PT causou um problema
para si e para outros. A opção dos outros partidos foi radicalizar.
Se PSDB e DEM já eram liberais e conservadores, o discurso
privatista lhes tomou de assalto. O MBL vampiriza o DEM paulistano de
uma forma inimaginável, enquanto o PSDB é tomado pelo laissez-faire
capitalista de João Dória. Em poucos anos, o partido NOVO será o
refúgio daqueles que pregam a liberalização econômica cega. O que
restará de PSDB e DEM, depois do canibalismo desse novo liberalismo,
ainda é cedo para saber.
De outro lado, a
verdadeira Esquerda socialista/comunista teve que abandonar seus
aliados históricos para se distinguir diante da classe operária.
Com isso perdeu visibilidade na própria classe. A Esquerda teve que
re-ideologizar o movimento de massas, a luta sindical, o movimento
estudantil. Nesse processo encontrou a classe dividida: ou totalmente
alienada da luta, ou cooptada pelos movimentos ligados à aliança
PT/PCdoB – o que, no fundo, é a mesma coisa. Nessa luta árdua, a
Esquerda ainda tateia a melhor estratégia para ganhar lastro na
luta, ignorando bravamente a sua pequenez.
Com o Centro loteado
no fisiologismo e os extremos cada vez mais radicalizados, a
burguesia brasileira construiu a sua alternativa com Bolsonaro. Aqui
vemos o Brasil de 2018 repetir a Alemanha de 1933. Os partidos
tradicionais brasileiros de hoje, assim como os partidos tradicionais
alemães em seu tempo, são incapazes de gerir os interesses da
burguesia brasileira, pois precisam balancear diversos interesses que
constituem a política brasileira. As bases partidárias, as alianças
políticas – mesmo que por conveniência – e a negociação
institucional entre Executivo e Legislativo atrapalham os interesses
econômicos da elite brasileira. Bolsonaro, ao contrário, sempre se
apresentou como o político que vive à margem da política
institucional, independente, que põe o dedo na ferida de todos, e
que por isso é odiado tanto à Direita quanto à Esquerda. Aliando
essa imagem de outsider com um discurso conservador e moralista,
conseguiu arrebanhar uma parte considerável da população. E não
para de crescer, conforme indicam as pesquisas.
A eleição de Adolf
Hitler em 1933 foi uma tragédia para a Alemanha, embora fosse
inevitável. Uma possível eleição de Bolsonaro em 2018 também
será uma tragédia, pois a farsa ainda está longe de se consolidar.
O partido da burguesia brasileira é o NOVO e isso está muito claro.
No entanto, o NOVO é ainda o partido dos banqueiros, dos rentistas,
dos especuladores, dos profetas do capitalismo selvagem. Ele ainda
engatinha para galgar os espaços políticos necessários para ganhar
atenção pública e viabilizar-se como alternativa. Com Bolsonaro, a
burguesia brasileira cria um atalho para seus interesses.
Uma possível
eleição de Bolsonaro não mudaria o panorama econômico no curto
prazo, mas certamente mudaria o panorama político contra todos os
partidos de centro-esquerda e extrema-esquerda. Bolsonaro é louco o
suficiente para perseguir todos nós, baseado nas mais loucas teorias
de conspiração. Com Bolsonaro eleito, o dia em que organizarmos a
primeira resistência, a primeira greve que for, será o pretexto
para o início da caça às bruxas. A aliança PT/PCdoB, como
partidos já estabelecidos, sofrerá mas se adaptará. Partidos como
o PCB e o PCO não terão a mesma sorte. Fragmentados em sectarismo,
incapazes de organizar uma grande resistência unificada, serão
todos perseguidos e liquidados. Se a burguesia brasileira for
piedosa, deixará que a cláusula de barreira se encarregue desse
serviço sujo. Seja como for, isso também está claro: o caminho
para o retrocesso está pavimentado e não há nada que possamos
fazer.
O que nos resta é a
sabotagem desse retrocesso, e o único caminho possível para isso é
não desperdiçar essa eleição presidencial. É necessário
reconhecer que a candidatura de Boulos foi um erro estratégico, um
casamento de conveniência onde nenhum dos dois lados ganhou o que
gostaria. Com seus 0 a 1% de intenções de voto, Boulos não ganhou
a projeção necessária enquanto liderança de Esquerda, e a aliança
PSOL/PCB não se afirmou como alternativa à Esquerda da aliança
PT/PCdoB. A candidatura de
Marina dispensa comentários. Marina é uma figura acarismática,
asséptica, de um jeito que parece não existir no mundo físico.
Mesmo quando estava certa, parece estar errada. Não convence. 2018
deve ser seu ano derradeiro.
A candidatura de
Haddad é, para o conjunto dos partidos socialistas e comunistas
brasileiros, uma candidatura pelo esvaziamento definitivo da
Esquerda. Haddad, Manuela D’Ávila e Gleisi Hoffmann deram
entrevista ao site Anticast (um podcast de centro-esquerda
não-alinhado a qualquer partido), que também foi autorizado a
divulgar partes da entrevista que Lula deu antes de ser preso, e que
é a base de seu livro lançado pela Boitempo. Todos são claros em
afirmar que o PT é incapaz de uma estratégia revolucionária que
não o privilegie enquanto protagonista. A aliança PT/PCdoB
tornou-se, para os demais partidos de Esquerda, como o gigante da
fábula infantil que arrasa e destrói plantações, em nome de uma
paz desigual para os moradores do vilarejo. Uma estratégia
democrática com o PT é um suicídio político; sem ele é uma
tarefa inglória. Em suma, o PT legou para a Esquerda brasileira o
imobilismo da luta de classes, e por consequência sua superação.
Minha posição
nessa eleição é menos ideológica e mais pragmática: Ciro Gomes.
É ele quem deveria ser, desde o início, o candidato da
centro-esquerda. Idealmente, com Manuela D’Ávila candidata à
vice. Com essa manobra, levaria uma grande parcela do campo
progressista com ele, garantiria uma frente ampla no segundo turno e
o PT, fora dos holofotes, teria tempo para uma reorganização
estratégica. Infelizmente o PT é incapaz dessa grandeza e leva o
PCdoB a reboque da sua dança na beira do abismo. Nesse cenário de
candidaturas de Esquerda pulverizadas, eleger o Ciro significa
deslocar a aliança PT/PCdoB do seu pseudo-protagonismo na Esquerda
brasileira. Eleger o Ciro também significa viabiliza-lo como
representante do nacional-desenvolvimentismo, redirecionando essa
plataforma para o seu núcleo histórico, que é o PDT. Além disso,
em todos os cenários de segundo turno, Ciro é o único com chance
de derrotar Bolsonaro com certa margem, enquanto Haddad e Alckmin
seriam eleitos empatando tecnicamente com ele. Isso não é
desprezível. Com a adesão popular que tem, Bolsonaro se sente
confiante de que levará a eleição com folga, em qualquer cenário.
Qualquer resultado que não reflita essa percepção, principalmente
no caso de um empate técnico, criará um cenário tumultuoso na
eleição: Bolsonaro não reconhecerá o resultado, pedirá
recontagem, fortalecerá um mundo de notícias falsas sobre a urna
eletrônica, e não descansará enquanto não lhe passarem a faixa.
Será o Brasil de 2018 repetindo a Alemanha de 1933.
No entanto,
esclareço: não tenho ilusões com Ciro Gomes. Seu discurso
nacionalista, de defesa do patrimônio estatal, não me convence. Sei
que se ele estiver numa posição de desagradar o setor progressista,
a fim de garantir o superávit primário, ele o fará. Ele pode não
privatizar a Petrobrás ou a Eletrobrás, visto que são
estratégicas. Uma estatal paquidérmica como os Correios pode muito
bem entrar em um futuro pacote de ajustes do seu governo. Esse, no
entanto, é um risco que o conjunto da Esquerda deve estar consciente
de correr, pelo bem de sua sobrevivência. A solução ideológica
com Boulos está fadada ao fracasso. O voto útil em Haddad é uma
sentença de morte lenta para a luta revolucionária, enquanto que
uma vitória de Bolsonaro será uma sentença de morte imediata.
Vejo as redes
sociais se ufanarem de que haverá luta caso Bolsonaro ganhe. “O
único diálogo possível com o fascismo é a ponta da baioneta”,
vociferam confiantes. Lamento que 1964 ensinou nada para essa nova
geração de comunistas. Vão repetir o erro de nossos velhos
camaradas, procurando rifles nos sindicatos para resistir aos
militares e encontrando nada. O voluntarismo cego, sem uma análise
crítica das condições da luta, levou vários de nossos camaradas
para a morte ou a tortura. Eu, que estou afastado da luta por
diversos motivos, não quero minha consciência pesada por ser
conivente com a cegueira de meus companheiros, só porque não estou
na barricada. Pelo menos nesse momento nós, que construímos a
Esquerda brasileira, devemos tomar consciência de nossa pequenez, de
nossa inabilidade de manejar as massas e construir uma verdadeira
vanguarda revolucionária, e reconhecer que não há muito o que
fazer a não ser sobreviver. Considerem esse os dois passos para
trás da nossa geração.
Por tudo isso
exposto é que eu declaro meu voto para presidente em Ciro Gomes.
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