quarta-feira, junho 19, 2013

Entre protestos e gases, a construção da Primavera Brasileira.

Discordo dos que não consideram nossa onda de protestos algo que se possa chamar de Primavera Brasileira. A primavera é a estação do despertar, é a estação onde se lançam as sementes para a colheita futura. A Primavera de 1848 durou apenas um ano, mas moldou o espírito político social da Europa até o século XX. A Primavera Árabe conseguiu muito mais do que podia, em menos de cinco anos. E agora assombra governos que até pouco tempo restavam seguros de suas posições hegemônicas (vide a Turquia). O Brasil simplesmente acomapanha a vaga mundial e deixa de ser terra infértil.

Ao mesmo tempo, compartilho a preocupação de alguns quanto ao caráter político de nossa Primavera Brasileira – deixando um grifo importante e enfático no “caráter político”. Diante da ainda efêmera vitória alcançada ontem, em várias capitais do país, desenham-se esquemas obscuros, de latente caráter sabotador. E contra eles, os manifestantes não possuem preparo para combater.

Destaca-se a manipulação midiática em torno das manifestações. Em editorial feérico há duas semanas atrás, o jornal A Folha de São Paulo defendia punição severa aos manifestantes da Avenida Paulista. A Rede Globo, ao noticiar os eventos, só destacava os episódios de depredação. Os comentaristas de segurança de todos os telejornais, eram só elogios à ação truculenta das polícias militares. Em todas as emissoras, era o mesmo mote: destaque para as cenas de depredação e descaracterização da frente de luta. Mas a polícia é bem mandada e cumpre ordens à risca. A violência policial atinge os meios de comunicação e uma repórter da Folha é ferida gravemente no olho direito. E então, só então, surgem na grande mídia os relatos da violência gratuita. Em vídeo postado na internet no domingo, policiais militares do Rio jogam gás lacrimogêncio em manifestantes no Campo de São Cristóvão. Mulheres e crianças que passeavam no parque também são atingidos. A opinião pública pende para o outro lado. A grande mídia prepara a guinada.

E o que se vê hoje? A Folha de São Paulo está em cima de toda ação policial, que agora é caracterizada como violenta. Rodrigo Pimentel destaca o despreparo da polícia em ações de contenção de multidões. Arnaldo Jabor pede desculpas públicas por engrossar o coro pela repressão. E o que nasceu da rua, da espontaneidade popular, passa a ganhar ares novelescos. Os manifestantes do bem, que vestem branco e distribuem flores. Os baderneiros do mal, que incendeiam carros e destróem o patrimônio público. Os que defendem a bela democracia, de espírito jovem e ordeiro. Os desordeiros que desestabilizam o movimento e não representam a maioria. Impoem agora quem está apto para protestar, como protestar, e pelo quê protestar. Todos fazem parte da mesma luta. Todos estão na rua pela mesma idéia, todos gritam pelos mesmos direitos. Mas para a grande mídia, só os que vestem luvas de seda tem direitos. Azar o deles. Quem não rasgar as luvas de seda, não está disposto a se sujar. Não está preparado para a rebelião social.

É preocupante a idéia de “despolitização” dos protestos, que inunda a mente dos manifestantes. Faixas com os dizeres “nenhum partido me representa” são erguidas com entusiasmo. A fala do governador Sérgio Cabral Filho, e a manifestação de alguns pela internet, faziam coro a esse propósito e criticavam o “caráter político” de algumas manifestações, que destoavam do “caráter popular” que os protestos deveriam ter. Talvez por isso, alguns militantes de esquerda, que empunhavam as bandeiras de seus partidos e de suas organizações, foram hostilizados pela maioria dos presentes aos atos. Espalhava-se pela rede, entre os militantes de esquerda, que nenhuma mafestação a favor do ato deveria ter “caráter político”. Ontem, em São Paulo, um militante do PCR (Partido Comunista Revolucionário) foi expulso do ato aos aplausos da multidão. Mais à noite, um grupo do PSTU foi vaiado e hostilizado.

Porém, examine-se nas imagens da TV quais bandeiras estavam presentes nos atos em todo o país. Havia entre elas alguma representante da conhecida oposição ao governo federal? E se o governo afirma que as manifestações são legítimas da ordem democrática, onde estava para conter o abuso policial nos últimos enfrentamentos? Desde ontem, deputados, senadores, e políticos de diversas correntes louvavam o espírito aguerrido dos manifestantes. O programa partidário do PMN, por quase dez minutos, ressaltava que só a organização popular é capaz de transformar o país. Onde estavam todos eles, quanto as manifestações não ganhavam o vulto midiático que agora possuem?

A isso não se denomina “despolitização”, denomina-se “alienação político-partidária”. A idéia corrente de que os partidos políticos abusam da boa vontade do povo, fazendo prevalecer pretensas ambições de poder. Os que se manifestam contra os partidos que apoiam os protestos cantam, na verdade, uma grande ode à nazificação do movimento. Enquanto muitos foram para a rua protestar pela primeira vez, vários já estiveram em protestos antes. Enquanto muitos se deslumbravam com os cem mil que inundaram a Rio Branco, vários sabiam que aquela marcha ainda significava pouco. Construir uma unidade política, unificar uma vasta agenda de demandas, no meio de um grupo tão heterogêneo, é um desafio maior e mais árduo do que mobilizar pessoas pelo Facebook. A rua não é lugar para sectarismo. Ela já esteve ocupada por essas bandeiras antes, e continuará ocupada por elas quando a maioria cansar de brincar de manifestante. E é isso que diferencia quem possui ambições de poder, e quem é comprometido com uma luta verdadeiramente democrática.

Para quem acordou agora para o clamor das ruas, bem-vindo à luta! Mas saiba que já tinha gente nela antes. Conheça-os antes de hostiliza-los. Eles podem te ajudar a construir algo mais sólido para o seu país do que a sua simples indignação.

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