segunda-feira, janeiro 30, 2006

Vamos ouvir Mozart, mas sem batucada!

Às vésperas do aniversário de nascimento de Mozart (que aconteceu no dia 27 de janeiro), o Jornal Nacional prestou um desserviço para a música erudita. Em uma matéria sobre o compositor, pediram para que membros da Orquestra Petrobras Sinfônica tocassem uma peça de Mozart com os ritmistas da escola de samba Unidos da Tijuca. E tocaram. Digo apenas que foi uma experiência surreal. A palavra “bizarra” me passou pela cabeça, mas ela é pesada demais e não condiz com a verdade.

Imagino as caras de espanto que os amigos devem estar fazendo, provavelmente chocados com minha insensibilidade frente a manifestações de popularização da chamada música erudita. Parabéns, mas vocês não são os primeiros! Pois minha profunda insatisfação com a chamada “popularização” da música erudita reside no fato de ela estar recheada com um preconceito. Sim, preconceito: o de achar que as camadas populares não são capazes de apreciar a música erudita como ela é. De que precisam de algo que suavize a aura de erudição e intelectualidade que paira sobre as obras de Mozart e Beethoven. Concordo que essa aura existe e que precisa ser desmistificada. Como? Com abundância de concertos do tipo Projeto Aquarius, por exemplo. Aliás, esse é o grande mistério inexplicável dos que defendem a “popularização” da música erudita com o uso de cross overs e da batucada no Jornal Nacional. Como explicar que 30 mil pessoas lotem a praia de Copacabana para assistir a uma sinfonia de Beethoven, sendo que a maioria nada sabe do que é uma sinfonia e qual a importância de Beethoven para a música? Muitos não se lembram, mas há anos atrás o Projeto Aquarius montou a ópera Aida, de Giuseppe Verdi, na Praça da Apoteose. Calcula-se que quase 200 mil pessoas prestigiaram o evento. Preciso dizer mais?

Eu tomo como exemplo principal minha experiência como professor de História da Música para público de baixa renda, e digo que o que falta é oportunidade. É comovente quando as pessoas chegam perto de você, depois de ouvir trechos de sinfonias e óperas, e dizem algo como “nunca pensei que Beethoven estivesse tão próximo de mim”. Ninguém nasce gostando de ópera ou de samba. Isso é adquirido. Também não é minha pretensão formar, do nada, ouvintes consumidores de música erudita. Mas essa bendita “popularização” deve partir da premissa de que ninguém é ignorante. Todos somos capazes de ouvir e de nos emocionar com a música, e não precisamos de qualquer subterfúgio para admirá-la. E acho que esse tem sido o sucesso do meu projeto. Como eu disse, não tenho a pretensão de formar grandes entendedores da obra de Beethoven, mas só de saber que aquelas pessoas experimentaram algo novo e gostaram, já me deixa bastante recompensado.

Então meus amigos, nesse ano em especial, vamos ouvir bastante Mozart. Mas sem batucada!

terça-feira, janeiro 17, 2006

Uma Homenagem a Birgit Nilsson


A crítica dizia que ela possuía um “trompete de prata na garganta”. Um fã nova-yorkino a chamava carinhosamente de “meu rouxinol sueco”. Eu, pessoalmente, não possuo adjetivos que classifiquem Birgit Nilsson (1918-2006), a não ser o de “Melhor Soprano Wagneriano do Pós-Guerra”. Mas isso é consenso.

Para mim, Birgit Nilsson é simplesmente grande. Grande voz, literalmente e subjetivamente. Quando iniciou seus estudos no Conservatório de Estocolmo, um dos professores comentou que a voz dela era quase incontrolável de tão grande. E ela é realmente um colosso. Tem profundidade, brilho, um som metálico límpido, se é que é possível. Mas que também sabia ser gentil, afável, introspectiva. Apropriada para as heroínas de Wagner, principalmente Isolda e Brünnhilde, que eram as mais comumente interpretadas por ela. Ouvi agora pouco o dueto final do Siegfried. Ela fazendo Brünnhilde e Wolfagang Windgassen fazendo Siegfried. Não pude conter as lágrimas, obviamente. A voz, a música, me absorve tão profundamente que eu não tenho forças para ouvir de novo. Dou um largo suspiro e desligo o aparelho de som. Apesar do silêncio, ainda ouço a vibração da voz, a energia da orquestra.

Esses momentos são raros na vida de um melômano. Aquele momento em que você não fala, não pisca e não pensa. Só sente. Não existe quarto, não existe janela, não existe calor. Só existe música, e você faz parte dela. Você não entende uma palavra de alemão, mas, pela música, entende o que significa. Birgit Nilsson foi responsável por muitos desses momentos. Eu, “homem de lábios impuros no meio de um povo de impuros lábios”, sinto-me felizardo por poder usufruir dessa voz excepcional, mesmo que por gravações. Mas não me lamento, pois seria muito pior se não houvesse gravação nenhuma.


Obrigado, Sra. Nilsson. Descançe em paz.


Obs: Acima, Birgit Nilsson como Isolda. Clique na foto e leia na íntegra o obituário publicado no New York Times. Lá, você ainda poderá ouvir trechos de óperas cantadas por ela, bem como assistir a um slide show sobre sua carreira.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

2006: O Ano Mozart

O ano de 2006 tem tudo para entrar na galeria dos "Anos que não Existiram". Em fevereiro, nosso habitual carnaval; em junho e julho, Copa do Mundo; em outubro, eleições presidenciais; e em novembro, teremos a antecipação das festas de fim de ano, e a expectativa para seus eventos correlatos (a retrospectiva do jornalismo, o show do Roberto Carlos e a entrega do último lote de restituição do Imposto de Renda).

Porém, nós melômanos temos um motivo para desejar que este ano passe bem lentamente. Afinal, é o Ano Mozart! Comemoramos 250 anos de nascimento de um dos mais famosos e mais geniais compositores que conhecemos. Faço aqui um voto solene com os amigos leitores, de mantê-los informados sobre todo o movimento mozartniano ao redor do mundo, publicando traduções de resenhas e de artigos. E também publicando resenhas próprias, dos espetáculos que devo assistir. Parece que o Municipal do Rio de Janeiro vai abrir a temporada com Idomeneo, uma das óperas de Mozart. Certamente estarei lá!

E para quem quiser ir entrando no clima, eu recomendo que assistam ao filme Amadeus (1985), com Tom Hulce e F. Murray Abraham, e direção de Milos Forman. Não é um filme propriamente biográfico, pois é muito fantasioso. Mas é um bom filme sobre música. A boa música de Mozart.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

O Ballets Russes: a gênese da dança contemporânea.

Foi com alegria que assisti ao "Arte com Sérgio Britto" na última terça-feira. Era a reprise de um especial sobre a história da dança, e falava especificamente do Ballets Russes. Eu não morro de amores por balé, mas a história do Ballets Russes me encanta. Querem ouvir?
Tudo começou em 1906, quando o russo Serguei Diaghilev chegou a Paris com um objetivo: divulgar a cultura russa na França. Para isso, Diaghilev levava consigo idéias pouco convencionais sobre balé. Admirava muito o estilo de dança livre da americana Isadora Duncan, caracteristicamente de muita força física. Ainda hoje uma potência na dança, Diaghilev importou de sua terra natal toda o seu material humano: Mikhail Fokine era responsável pela mise en scène; Igor Stravinsky compôs seus balés de maior sucesso para a companhia; e os bailarinos solistas eram a excepcional Ana Pavlova e o mítico Vassily Nijinsky. Mais adiante, Nijinsky também faria coreografias para a companhia, que contou também com a colaboração do músico Erik Satie. O Ballets Russes também dançou com cenário de Pablo Picasso e figurinos de Coco Chanel. Com a morte de Diaghilev em 1929, a companhia de dissolveu. A primeira baixa aconteceu dez anos antes, quando Nijinsky abandonou se desligou do Ballets Russes devido a crises de loucura.
Analisando o legado do Ballets Russes, o principal deles é um tanto óbvio. A companhia foi o espaço que abriu as portas para o Modernismo. Um dos primeiros espaços onde as várias vanguardas artísticas se reuniam para fazer arte. Estou ouvindo nesse instante o balé La Sacre du Primetemps (A Sagração da Primavera), de Stravinsky. Foi o balé mais polêmico que a companhia apresentou. É uma orquestração intensa, viril. Uma autêntica orgia pagã. Não imagino nada mais apropriado para a partitura, que a coreografia quase sexual de Nijinsky. A busca por novas expressões corporais foi, com certeza, outro legado do Ballets Russes que persegue muita gente, de Georges Balanchine à nossa Débora Colker. Daí me lembro do filmete de Ana Pavlova dançando a morte do cisne, do famoso balé de Tchaikovsky. Nada que lembre a languidez do balé tradicional. O cisne se contorce de dor, bate as asas com violência, e corre em desespero de um lado para o outro. Pavlova desperta no espectador toda a sorte de sentimentos. Compaixão, principalmente.
É até estranho dizer que eu não gosto de balé. Parece justamente o contrário! Assistir Margot Fontein e Rudolf Nureyev dançando foi uma experiência mais que gratificante. Entendi naquele dia o que é dança. Mas eu sou fã da voz humana. Uma ária de ópera me agrada mais que um balé inteiro.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Um Comunicado aos meus Amigos (Eine Mitteilung am Meine Freunde, 1851) foi uma coletânea dos primeiros ensaios sobre arte e política cultural escritos pelo compositor alemão Richard Wagner (1813-1883). Apesar de minha grande admiração por suas óperas, nem de longe gostaria de me comparar a ele. Mas confesso que nossas intenções são parecidas.

Primeiramente, faço deste o espaço para divulgação das minhas idéias sobre Arte, Política, Religião, Filosofia, e quem sabe alguma banalidade. Mas meu assunto predominante será Arte, pois, afinal, preciso ganhar meu pão como historiador da arte.

E em segundo lugar, o nome de batismo desse blog é uma singela homenagem aos únicos que parecem interessados em ouvir minhas reinações. À vocês, meus caros amigos, agradecido por se dignarem em ler estas pobres letras, está dedicada a gênese deste espaço. Aproveitem, portanto.