O Ano Mozart Chegou
Artigo escrito por James R. Oestreich
Traduzido por Thiago Freitas Herdy
Independente de quanto Mozart você vem ouvindo pelas últimas semanas, o Ano Mozart não começa, ao que parece, enquanto Salzburgo não disser que começa.
Bem aqui, na cidade natal de Mozart, as festividades tiveram início na manhã de hoje com um pequeno concerto no Mozarteum, apresentando Nikolaus Harnoncourt regendo a Orquestra Filarmônica de Viena. O programa incluiu a sinfonia n°40 de Mozart e uma infinitude de discursos. E após a série de pronunciamento, o Sr. Harnoncourt, artista convidado para a Semana Mozart, foi direto ao ponto ao discutir a importância da arte, e especificamente a importância da música, para a humanidade.
Ele falou um pouco antes da sinfonia, e ofereceu o melhor de suas memórias entre o segundo e terceiro movimento. Um procedimento cansativo, talvez, mas que trouxe luz no que o Sr. Harnoncourt tinha a dizer não só sobre Mozart, mas sobre a sinfonia em si. O maestro alcançou pleno entendimento da obra quando ainda era músico em uma orquestra, e após várias performances insatisfatórias da obra.
“A partitura dizia algo diferente para mim”, ele disse. “Tudo é questionável, ou mesmo destruído: a melodia, a harmonia, o ritmo”.
Sobre a tonalidade da sinfonia, sol menor, o Sr. Harnoncourt disse que os contemporâneos de Mozart enxergavam nela “uma representação da morte, bem como da melancolia”. Essa é uma obra baseada na paixão e na fatalidade. "A sinfonia se tornou minha sinfonia pessoal sobre o destino, e mudou minha vida por inteiro, porque um dia, depois de 17 anos tocando violoncelo em uma orquestra, decidi nunca mais tocar essa sinfonia de maneira lânguida, e então deixei a orquestra”.
A intensa performance do Sr. Harnoncourt trouxe à tona suas visões sobre a obra. A intimidade demonstrada no primeiro movimento levou a clímaxes maiores que a vida. A lenta transição entre o desenvolvimento e a seção final soou assombrosa.
O Sr. Harnoncourt entrou mais fundo na análise na sinfonia, encontrando a raiz do caráter demoníaco da obra na personalidade do próprio Mozart. “Deve ter sido chocante para a família Mozart”, disse, “quando o pai reconheceu na pequena criança o gênio futuro. Por detrás daquela inteligente e agradável criatura, escondia-se um crocodilo”.
Sugerindo, no fim do concerto, que Mozart pode ter sido “uma pena nas mãos de Deus”, o Sr. Harnoncourt pode ter substituído uma forma simplória de romantismo por uma mais elevada. E essa forma mais elevada foi traduzida em uma excelente performance.
James R. Oestreich é correspondente do NY Times em Salzburgo, para a cobertura da Semana Mozart. Artigo extraído do New York Times On Line, acessado no dia 27 de janeiro de 2006.
Um comentário:
Salve, salve!
O que eu acho interessante (aliás, boa tradução, meus cumprimentos) é a capacidade que o bom músico tem, de encarar de um jeito diferente uma peça.
Olhar as bolinhas pretas, mesmo já estabelecidas como um registro, e vislumbrar mais além do que a "cara" da música: ver seus olhos, alma, suspiros e dar vazão a isso.
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